Na crise gerada pela pandemia, é cada vez mais comum encontrar quem esteja considerando vender seus próprios “nudes” para pagar os boletos.

Na teoria, é mais simples do que parece: o site OnlyFans reúne milhares de usuários dispostos a pagar pela foto de alguém pelado.

Fundada em 2016, a plataforma é uma rede social em que criadores podem cobrar pelo acesso a qualquer tipo de post – de cursos a performances artísticas.

Mas basta entrar para ver que a maioria das pessoas está lá para comprar e vender pornografia caseira, segmento que se fortaleceu na quarentena.

A busca pelo site no Brasil quintuplicou entre março de 2020 e o mesmo mês deste ano. Já o tabu em torno dele vem diminuindo, principalmente após a adesão de celebridades, como a atriz americana Bella Thorne e a brasileira Anitta.

O problema é que, na prática, o dinheiro não vem tão fácil quanto alguns podem achar. Como em qualquer empreitada, ter êxito nas vendas do OnlyFans depende de uma boa dose de visão de negócio. A receita do sucesso inclui:

  • Foco: Produzir conteúdo que gere interesse exige tempo, dedicação e estudo das táticas usadas por quem já deu certo na plataforma;
  • Organização: Diferentemente de outras redes sociais, o OnlyFans permite agendar posts. Otimizar o tempo e se programar para criar um calendários de publicações constantes é fundamental;
  • Vocação: Definitivamente, tirar a roupa e sensualizar na internet não é para qualquer um. Desenvoltura e criatividade são essenciais;
  • Um pouco de sorte: No OnlyFans, importa menos o número de seguidores que um criador tem, e mais o quanto eles estão dispostos a ser generosos nos pagamentos.
Da esq. para a dir., Nicolli Zurkin, Heloíne Moreno, Priscila Volturi, Aurora e Doce Suicide — Foto: Reprodução/Instagram
Da esq. para a dir., Nicolli Zurkin, Heloíne Moreno, Priscila Volturi, Aurora e Doce Suicide – © Reprodução/Instagram

Além de tudo isso, é preciso ter jogo de cintura para lidar com seguidores chatos ou mal-intencionados e com o preconceito, que ainda existe – e, embora a rede seja vasta em conteúdos de ambos os gêneros, ela é mais difícil para as mulheres.

A reportagem conversou com cinco brasileiras que faturam com “nudes”. Elas narram as estratégias que usam para ganhar dinheiro e calculam os lucros, mas mostram que nem tudo é glamour. O trabalho no OnlyFans também é cheio de perrengues.

‘Ninguém sabe que sou eu’

Nicolli Zurkin usa 'disfarce' em imagens publicadas no OnlyFans — Foto: Reprodução/Instagram
Nicolli Zurkin usa ‘disfarce’ em imagens publicadas no OnlyFans – © Reprodução/Instagram

“A Nicolli só existe dentro do OnlyFans. Ninguém vê essa pessoa na rua, ela não existe”, diz Nicolli Zurkin, que se identifica nas redes como Lady Loira.

Toda vez que produz conteúdo para a plataforma ou conversa por vídeo com algum seguidor, ela se monta com longos cabelos loiros e maquiagem carregada, num personagem quase irreconhecível.

“Na vida real, sou morena, tenho cabelo curto. Ninguém sabe que sou eu, nem meus amigos sabem.”

Trabalhando em parceria com o marido fotógrafo (que não aparece nas postagens), ela estima ter triplicado os negócios no nicho de conteúdo adulto durante a pandemia.

Com cerca de 200 seguidores, fatura em média de US$ 1 mil a US$ 1.500 por mês (algo entre R$ 5.600 e R$ 8.500, considerando a cotação atual). A rede ainda não aceita pagamento em moeda brasileira e, segundo as usuárias, a maioria dos compradores são estrangeiros.

Nicolli prefere manter a maioria das postagens de sua conta gratuitas, mas todas têm um ícone que permite aos seguidores enviar gorjetas. A maior parte do dinheiro, no entanto, não vem daí. Ela explica:

“Dentro do direct é onde rola a grana pesada.”

O direct é onde produtores de conteúdo conversam com seguidores de forma privada, como acontece em qualquer rede social. A diferença é que, no OnlyFans, cada mensagem pode ter um preço, escolhido pelo dono da página.

“Se eu recebo uma gorjeta, eu normalmente chamo a pessoa no direct e dou um brinde. Por exemplo, se postei uma foto de lingerie, mando no privado um vídeo tirando a lingerie, e cobro por ele. Quem viu a amostrinha grátis paga para ver a sequência.”

Outra estratégia: “Mando para todos os meus seguidores uma foto sensual grátis e, em seguida, um vídeo pago de masturbação, avisando na legenda do que se trata. Todos acabam pagando. Isso aprendi com as gringas”.

Às vezes, o papo por direct no OnlyFans avança para uma relação virtualmente mais íntima (e mais cara), por WhatsApp. Nicolle cobra R$ 50 por cinco minutos de conversa em vídeo pelo app.

“É como se fossem meu amantes. Tudo virtual, e tudo bem. Pagando bem, que mal tem?”

‘Vazaram posts na minha cidade’

Heloine Moreno teve fotos compartilhadas no OnlyFans vazadas em sua cidade natal — Foto: Reprodução/Instagram
Heloine Moreno teve fotos compartilhadas no OnlyFans vazadas em sua cidade natal – © Reprodução/Instagram

Heloine Moreno lida com críticas moralistas desde que posou para a edição mexicana da revista “Playboy”, em 2019.

Antes mesmo de receber a revista impressa, ela soube que as fotos haviam vazado em sua cidade natal, no interior de São Paulo.

O mesmo aconteceu com posts que ela compartilhou no OnlyFans. “Uma pessoa comprou meu conteúdo e divulgou na cidade. Fiquei bem incomodada com isso. Cheguei a bloquear todos os usuários do Brasil, mas estava perdendo muito dinheiro. Então voltei atrás.”

A rede oferece opções para bloquear e denunciar usuários inoportunos ou abusivos, e até mesmo grupos ou países inteiros. Mas produtoras de conteúdo reclamam da falta de medidas contra o vazamento de fotos e vídeos.

O OnlyFans não tem botões que permitem enviar posts para outras redes ou salvar imagens no celular, mas não impede que o usuário tire uma foto ou grave a tela, usando o próprio aparelho.

O vazamento de imagens íntimas sem autorização é crime, com pena prevista de um a cinco anos de prisão.

“[O trabalho no OnlyFans] não tem nada a ver com prostituição. Também não é porque você está ali que é uma atriz pornô. Se for, não tem problema. Mas as pessoas confundem”, diz Heloíne. “Mas já passei dessa fase [de sofrer com o preconceito]. Ninguém paga minhas contas.”

Morando há nove anos nos Estados Unidos, ela já chegou a ganhar US$ 3.000 (mais de R$ 16 mil) em um mês na plataforma.

Além de faturar no OnlyFans e com os trabalhos de modelo, Heloíne também cobra para dar consultoria a outras pessoas interessadas em ganhar dinheiro com conteúdo adulto na internet.

‘No exterior, a mente é mais aberta’

Priscila Volturi mora na Irlanda, mas convive com preconceito de parentes do Brasil — Foto: Reprodução/Instagram
Priscila Volturi mora na Irlanda, mas convive com preconceito de parentes do Brasil – © Reprodução/Instagram

Entre as brasileiras ativas na rede, é comum encontrar quem, como Heloíne, tenha conhecido o OnlyFans fora do Brasil.

O serviço ainda é incipiente por aqui. Prova disso é o português parco do site. O botão para gorjetas, por exemplo, se chama “Deixar dica” (tradução errada do inglês “tip”).

Priscila Volturi é mais uma nesse grupo. Morando na Irlanda, ela começou a criar conteúdo para a plataforma depois que o clube de strip-tease onde trabalhava fechou por causa da pandemia.

“Era só um plano B até o meu trabalho reabrir, já que não tenho direito ao auxílio emergencial irlandês. Mas agora pretendo continuar”, diz.

Para manter o aluguel e outras contas em dia, ela estabeleceu a meta de ganhar mil euros (cerca de R$ 6,5 mil) por mês, o que afirma conseguir postando duas vezes por semana no site.

Também no caso de Priscila, superar o preconceito foi uma das maiores dificuldades.

“A minha família provavelmente sabe o que faço, mas não comenta. Sei que não apoiaria.”

“A única pessoa para quem tive a preocupação de contar pessoalmente foi minha mãe. Ela não concorda, mas me apoia”, acrescenta.

Pelas redes sociais, ela ainda sente a rejeição dos parentes do Brasil, mas diz viver mais tranquila no exterior.

“Aqui as pessoas têm a mente um pouco mais aberta. Se eu saio na rua, sei que não vou encontrar um parente, um conhecido, que vai me julgar.”

‘Tenho flexibilidade para estudar’

Aurora se divide entre o trabalho de venda de conteúdo adulto e os estudos para o vestibular de Medicina — Foto: Reprodução/Instagram
Aurora se divide entre o trabalho de venda de conteúdo adulto e os estudos para o vestibular de Medicina – © Reprodução/Instagram

O mercado de “nudes” na internet não surgiu com o OnlyFans. Muito antes do site ser criado, os “packs” (como são chamados os pacotes de imagens eróticas) já eram negociados por WhatsApp e até e-mail, num processo bem mais demorado.

Aurora é uma das vendedoras que está nesse mercado, como dizem por aí, desde que tudo era mato. Começou há cinco anos, quando passou a estudar para prestar vestibular para Medicina.

“Tenho flexibilidade de tempo para estudar. Me planejo, produzo durante alguns dias o conteúdo do mês inteiro”, explica.

Um dos trunfos técnicos do OnlyFans, citados por quem usa, é a facilidade para criar uma agenda de publicações. Para otimizar o tempo, Aurora terceiriza a organização do posts e o trabalho de marketing.

Em seu perfil, além do conteúdo erótico, ela compartilha fotos do dia-a-dia — inclusive, dos estudos.

Quem vive dos lucros da plataforma garante que imagens de sensualidade sutil e até as casuais podem ter desempenhos melhores do que as explícitas. Elas atiçam a curiosidade de seguidores. Muitos acabam se convencendo a pagar pelo conteúdo mais picante, enviado por mensagem privada.

Com rendimento mensal de até US$ 2 mil (mais de R$ 11 mil), Aurora comemora o fato de não ter nada a esconder de ninguém.

“Foi um choque quando comecei. Minha família ficou assustada. Mas, hoje, todo mundo sabe que trabalho com isso e que estou muito bem. Parei de ter problema quando deixou de ser um segredo.”

‘Colocou foto nua na internet, já era’

Doce Suicide tem agencia de modelos que vendem 'nudes' — Foto: Reprodução/Instagram
Doce Suicide tem agencia de modelos que vendem ‘nudes’ – © Reprodução/Instagram

Doce Suicide levou para o OnlyFans o nome que já tinha consolidado no Suicide Girls, site com ensaios sensuais de modelos alternativas, fundado em 2001.

Há seis anos vendendo “packs” em diferentes plataformas, ela viu esse mercado se fortalecer no Brasil e o tabu diminuir, mas nunca deixar de existir.

“Por mais que o brasileiro consuma muito conteúdo adulto, as pessoas ainda escondem, não querem pagar no cartão de crédito porque fica registrado na fatura.”

Hoje, Doce (como prefere ser chamada) trabalha para profissionalizar a atividade no país. No ano passado, ela abriu uma agência de modelos com foco na venda de conteúdo pela internet.

Entre outros serviços, a empresa oferece um treinamento para outros interessados em faturar no OnlyFans.

“Passei a acompanhar algumas carreiras nesse universo. Vejo que muita gente tem uma visão romântica, de que tudo é fácil e glamouroso. Acha que vai entrar já com muitos seguidores e ganhando dinheiro. Não é assim”, explica a empresária.

“Esse é um trabalho como qualquer outro. Há o bônus, que é poder ter flexibilidade de horário, por exemplo, mas também tem que investir em bons equipamentos e aguentar gente desagradável te atacando.”

E uma dúvida comum de iniciantes, segundo ela: é possível ganhar dinheiro com “nudes” sem mostrar o rosto?

Possível, sim, mas é difícil. “Tem que criar uma identidade muito forte, uma marca, que deixe as pessoas curiosas.”

Se vai mostrar tudo, Doce avisa: “Antes de entrar nesse mundo, tem que estar muito consciente de tudo. Colocou foto nua na internet, já era. O print é livre.”

“Se a foto vaza, você vai conseguir lidar com as consequências? Vai prejudicar sua carreira em outras áreas? Se tiver algum problema desse tipo, aconselho que não faça.”

? © Reprodução/Instagram

Rádio Centro via G1

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