“Linda”, “mora onde?”, “delícia”. Não é difícil encontrar comentários como esses em vídeos de meninas de 12, 13 anos na rede social Likee. Por trás das mensagens, perfis de homens adultos e idosos ou sem fotos e nome.

Muito parecido com o TikTok e desconhecido por grande parte dos pais, o Likee se tornou, ao mesmo tempo, um “refúgio” para crianças se divertirem com filtros divertidos e músicas e um terreno fértil para aproximações suspeitas de desconhecidos.

Assustadas com o que viram no celular das filhas, familiares — especialmente mães em grupos de mulheres — estão usando as redes sociais e lojas de aplicativos para fazer alertas.

“Tomem cuidado com as crianças. Está cheio de pedófilos fazendo comentários nojentos. É aterrorizante”, escreveu uma usuária.

Na plataforma, uma busca rápida pelo termo “pedófilo” leva a centenas de vídeos das próprias crianças reclamando: “Parem pedófilos de me chamar de gostosa, que quer me namorar, me sinto mal”, escreveu uma adolescente.

O Likee permite que você visualize vídeos de outras pessoas mesmo sem segui-las, e vice-versa, de acordo com o algoritmo. Ao fazer uma conta, ela é pública e visível a todos — mas há opção de desativar comentários e mensagens privadas de estranhos caso as crianças alterem nas configurações.

Não há números oficiais da rede no Brasil. Mas dados divulgados em agosto pela Joyy, a empresa chinesa “mãe” do Likee, apontam para mais de 150 milhões de usuários ativos em todo o mundo, um crescimento de 86% em um ano. Foram mais de 7 milhões de downloads só entre julho e agosto deste ano.

Alguns usuários brasileiros populares chegam a ter 5 milhões de seguidores.

A SaferNet, associação civil que combate crimes virtuais e violação dos direitos humanos, revelou à BBC News Brasil que, apesar de ser uma rede social pouco falada e monitorada por adultos, já foram registradas denúncias envolvendo o Likee, com intensificação nos últimos meses.

Fotos de pênis

Numa viagem de fim de semana no Pará, a professora Raquel*, 38 anos, deixou que a filha de 12 anos escolhesse um aplicativo pra se distrair.

A escolha da garota foi o Likee, por influência dos amigos do colégio e de uma prima, todos usuários da rede social.

Em menos de 2 dias de uso, porém, Raquel foi verificar a plataforma e percebeu comentários estranhos e uma mensagem privada. Nela, um homem perguntava se a menina podia enviar fotos a ele.

Raquel, então, resolveu continuar a conversa fingindo ser a própria filha.

“Eu disse que não queria mandar fotos, que tinha vergonha. Foi quando ele mandou uma foto do pênis e perguntou se eu, no caso a minha filha, tinha gostado de ver.”

A mãe conta que, “muito nervosa na hora”, apagou o aplicativo imediatamente e proibiu a filha de voltar a usar. “Não segui com uma denúncia”, lamenta.

Em suas políticas, o Likee informa que “não é direcionado” a crianças e que é preciso ter mais de 16 anos para aceitar os “termos de uso” e usar o aplicativo sem o monitoramento de adultos responsáveis. A realidade, porém, não é bem essa — como é comum na redes sociais. A própria BBC News Brasil criou com facilidade uma conta colocando a idade de “13 anos”, sem passar por um processo de verificação.

Juliana Cunha, psicóloga e diretora de projetos na SaferNet, ressalta que, mesmo que haja a indicação de não ser uma plataforma apropriada para menores de 16 anos, a rede social acaba se popularizando entre crianças por ser “livre” de adultos.

“Os adolescente e as crianças se atraem em ambientes sem pai, sem tio, sem mãe, sem conhecidos. Elas se sentem mais livres, menos vigiadas e querem se construir em pares, não em relações verticais com os responsáveis. Então, a plataforma precisa ter compromisso, moderadores, para representar os adultos ali”, explica.

Em nota enviada à BBC News Brasil, o Likee informou que está comprometido em “fornecer a todos os usuários um ambiente seguro e confiável” e que usa “inteligência artificial para identificar conteúdos relacionado a violações à segurança dos jovens”.

“Temos uma equipe trabalhando 24h para garantir que todo o conteúdo e contas reportados sejam tratados imediatamente”. Em seus canais oficiais, o Likee informou que, apenas na semana de 7/08 a 13/08, mais de 41 mil perfis foram analisados a respeito de “conteúdo impróprio”.

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