? Foto: Arquivo Pessoal

Desde o início da pandemia, a médica Viviane Veiga passa os dias acompanhando pacientes graves (só de covid, foram mais de 800) e fazendo ciência. Coordenadora de UTI da BP — a Beneficência Portuguesa de São Paulo — e presidente eleita da Sociedade Paulista de Terapia Intensiva (Sopati), Viviane coordenou um estudo publicado na semana passada no The British Medical Journal (BMJ).

O trabalho foi realizado pela Coalizão Covid Brasil (grupo formado por grandes hospitais privados que fazem pesquisas sobre a doença). Foram incluídos pacientes de nove centros do país. O objetivo foi analisar o efeito da droga tocilizumabe, atualmente usada para artrite, em doentes com covid em estado grave.

Em entrevista à coluna, Viviane detalha o estudo e fala sobre as pressões que os médicos têm sofrido de familiares de pacientes para que eles prescrevam cloroquina e outras drogas.

Quais foram os resultados do estudo?

O tocilizumabe não se mostrou benéfico nessa população. Além disso, a mortalidade foi maior no grupo que tomou a droga. Quinze dias depois de receber a medicação, houve 11 mortes no grupo que recebeu a medicação contra artrite e duas no grupo tratado de forma convencional. Não houve diferença em termos de causa de óbito. As mortes não parecem estar relacionadas ao uso da medicação.

Outros trabalhos também não encontraram benefícios, mas, no início de janeiro, um grupo do Imperial College anunciou ter feito um estudo que apontou que o medicamento fez diferença. Por enquanto, esse é um pré-print. Os autores jogaram na internet, mas a pesquisa ainda não foi publicada em uma revista científica.

As pesquisas continuam?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) entende que o efeito dessa droga precisa ser mais bem compreendido. É possível que ainda exista espaço para esse medicamento em algum perfil de paciente. Desde dezembro, faço parte de um grupo da OMS que reúne 20 pesquisadores de diversos países que estudam essa droga no contexto da covid. Não adianta ficar usando uma droga cara, de forma indiscriminada, sem ter benefícios.

No estudo feito por vocês com o tocilizumabe, algum dos pacientes tinha usado cloroquina, hidroxicloroquina ou ivermectina?

Em maio, aproximadamente 18% dos pacientes estavam usando hidroxicloroquina no dia da inclusão no estudo. Usaram no hospital ou já tomavam em casa quando foram internados. Hoje o uso de hidroxicloroquina em ambiente hospitalar virou exceção. Apesar da pressão de familiares dos pacientes e de alguns colegas médicos que seguem prescrevendo. Infelizmente, o Ministério da Saúde difundiu o tal “kit covid” e vimos muita apologia ao uso de vitamina C, vitamina D, zinco, ivermectina, nitazoxanida (conhecida como Annita). Não há evidência científica de que essas coisas funcionem contra a covid.

O que você pensa sobre os médicos que prescrevem isso? E sobre as ações do Ministério da Saúde para difundir o uso da cloroquina como um suposto tratamento precoce da covid?

Tudo isso é um enorme desserviço. Com tanto negacionismo e fake news, as pessoas buscam poções mágicas. Ao longo dos meses, vimos o Ministério da Saúde com esse posicionamento de negar a doença e o alto escalão do governo andando no meio da multidão, sem máscara e negando a importância da vacina. O resultado está aí: mais de 210 mil mortos. Será que deveríamos ter deixado chegar a esse ponto

Qual é a repercussão disso nos hospitais? As famílias dos doentes pressionam os médicos a usar essas drogas?

Os grandes hospitais estão se posicionando em relação ao seu corpo clínico. Mostram o que é a boa prática médica e exigem respeito à evidência científica publicada em literatura. Como coordenadora de UTI, muitas vezes preciso entrar no corpo a corpo com as famílias dos doentes. Elas querem trazer médicos externos, procuram soluções milagrosas. Recebemos pressões, telefonemas em desespero. Explico que faço medicina baseada em ciência. Se houver evidência científica, pratico o que os estudos demonstram. Do contrário, não. Não há estudo sério mostrando benefício. Pelo contrário, não. Não há estudo sério mostrando benefício. Pelo contrário, há aumento de alterações em eletrocardiograma e exames de fígado.

O que você diz a esses familiares?

Explico que não faltam pacientes nas UTIs que tomaram cloroquina, hidroxicloroquina, ivermectina ou azitromicina em casa e, mesmo assim, adoeceram gravemente. Não podemos nos levar por ideologia e ceder a esse tipo de pressão. Não prescrever a hidroxicloroquina não é uma decisão vinculada a qualquer questão política. Meu vínculo é com a ciência.

Exatas News via Uol

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