Bairros periféricos e população de baixa renda têm menos recursos para se proteger das ondas de calor
📸 © Marcos Santos/USP Imagens

As ondas de calor são períodos prolongados de temperaturas muito altas, que excedem os níveis normais para uma determinada região e época do ano. Esses fenômenos, que têm se tornado cada vez mais frequentes, exigem cuidados especiais da população com o próprio corpo para evitar os prejuízos do estresse térmico. A cidade de São Paulo, por exemplo, sofreu com uma série de ondas de calor no primeiro trimestre de 2025.

De acordo com a professora Helena Ribeiro, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, os parâmetros que definem uma onda de calor variam de cidade para cidade, porque são levados em conta a média de temperatura histórica, a localização geográfica e outros fatores. Os prejuízos à saúde humana, no entanto, costumam ser semelhantes. Em São Paulo, por exemplo, o Centro de Gerenciamento de Emergências considera onda de calor um período mínimo de três a cinco dias com mais de 32° C de temperatura.

População

Segundo a especialista, entre os grupos mais vulneráveis às ondas de calor estão os idosos com mais de 65 anos, pessoas com doenças cardiovasculares e respiratórias, diabéticos e crianças. O calor extremo pode causar infartos, derrames, falência cardíaca e episódios graves de desidratação. A docente destaca que esse clima dilata os vasos sanguíneos e exige mais do coração e, para uma pessoa que já possui problemas cardiológicos, o risco de colapso aumenta.

No caso das crianças, Helena afirma que a vulnerabilidade se dá principalmente pela desidratação rápida. Além disso, o calor excessivo pode prejudicar o desempenho escolar. “Temos notado que as salas muito quentes aumentam a letargia, a irritabilidade e dificultam o aprendizado. O calor afeta o desempenho cognitivo”, explica.

Crianças moradoras do Complexo da Maré se refrescam com chuveiros e piscinas improvisadas nas ruas da comunidade 📸 © Tânia Rêgo/Agência Brasil

Fisiologia

Conforme a professora, em regiões tropicais, como o Brasil, as consequências das ondas de calor tendem a ser um pouco menos severas devido a mecanismos naturais de resfriamento, como as chuvas de verão e a vegetação, que promovem a evaporação da umidade e ajudam a diminuir a temperatura do ar. No entanto, com o aumento dos dias de calor extremo, esses mecanismos têm se mostrado insuficientes.

Helena esclarece que, na cidade de São Paulo, estudos demonstram que os piores efeitos à saúde não vêm necessariamente do calor intenso do verão, mas das grandes oscilações térmicas, comuns no outono e na primavera. Quando se alternam abruptamente dias muito quentes com frios, ou vice-versa, a saúde é impactada, especialmente dos grupos vulneráveis.

“No geral, há uma queda de temperatura à noite causada por ventos ou chuvas e é nesse momento que o corpo consegue se recuperar do estresse térmico durante o dia. Contudo, se a temperatura permanece alta à noite, as pessoas tendem a ficarem mais cansadas, porque acumula o cansaço pelo calor com a falta de descanso noturno. Então o calor durante a noite tende a ser o mais prejudicial”, declara.

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Problemas

Diante das condições severas de temperatura é necessário a busca por mecanismos de adaptação e mitigação do calor, como os equipamentos de ar-condicionado, por exemplo. No entanto, Helena Ribeiro conta que a instalação desenfreada desses dispositivos é envolta em controvérsias, já que é uma solução cara e que agrava a crise climática ao consumir muita energia e liberar ar quente nas cidades.

Uma outra questão preocupante e, ao mesmo tempo, paradoxal é a ausência de vitamina D em moradores de locais ensolarados. De acordo com a docente, isso ocorre porque as pessoas evitam a exposição solar em dias muito quentes. “Essa deficiência de vitamina D é vista atualmente como uma espécie de pandemia e pode inclusive elevar os índices de depressão”, alerta.

Abastecimento 

Segundo Pedro Roberto Jacobi, professor do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) e supervisor no Programa USP Cidades Globais, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, as ondas de calor vêm se tornando cada vez mais frequentes e intensas como resultado de processos climáticos extremos que afetam diferentes partes do mundo, incluindo o Brasil. 

Além disso, quando há um bloqueio atmosférico, as frentes frias se formam, tentam avançar, mas encontram  barreiras que as deslocam para o oceano. Sem a entrada da umidade que provoca as frentes frias, a massa de ar quente aumenta no continente, provocando mais ondas de calor.

Essa nova realidade impõe impactos no consumo de energia elétrica, especialmente com o aumento do uso de aparelhos como o ar-condicionado, e pressiona as redes de distribuição, que muitas vezes não suportam a demanda crescente. O problema é ainda mais grave em áreas de infraestrutura precária, onde o fornecimento de energia elétrica já enfrenta limitações. 

De acordo com o especialista, as ondas de calor não impactam diretamente as redes de energia, mas intensificam as tempestades. Ele explica que o excesso de calor na atmosfera provoca a formação de tormentas e tempestades com raios, que danificam a rede elétrica e causam quedas de energia em várias regiões das cidades. “Esse processo ocorre principalmente porque as redes elétricas não são subterrâneas. Caso fossem, não teríamos esse problema”, enfatiza.

Já em relação ao abastecimento de água, Jacobi revela que o impacto das ondas de calor ocorre diretamente. Ele explica que essas ondas, quando acompanhadas por períodos de baixa pluviosidade, reduzem significativamente os níveis dos reservatórios. Em São Paulo, embora o último verão tenha sido caracterizado por muitas chuvas, o abastecimento de água é comprometido em períodos de pouca precipitação.

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Desigualdades

A cidade de São Paulo, com seus mais de 11 milhões de habitantes, e uma região metropolitana que soma 22 milhões, é extremamente sensível aos eventos climáticos extremos. Jacobi afirma que a cidade não está preparada para lidar com essas situações. “Poucas cidades estão. Falta planejamento e adaptação da infraestrutura”, critica.

Os especialistas convergem ao destacar que os transtornos provocados pelas ondas de calor afetam de forma desigual os moradores da cidade. Jacobi reforça que as diferenças nas condições de moradia são centrais para entender o impacto das ondas de calor. Nas periferias, as casas frequentemente não têm ventilação adequada, são construídas com materiais que retêm calor e não contam com equipamentos de refrigeração. Isso aumenta o risco de problemas de saúde, como desidratação.

A arborização urbana, um dos principais mecanismos naturais para mitigar o calor, está em processo de deterioração. Segundo Jacobi, as árvores caem com mais frequência nos períodos de tempestades ou são removidas por medo de quedas, o que agrava o problema. Esse cenário é preocupante, porque a substituição das árvores não é uma tarefa simples, já que leva tempo para seu crescimento .

Estratégias 

Como medidas individuais de mitigação ao calor, Helena Ribeiro indica evitar exposição ao sol nas horas mais quentes, manter-se bem hidratado e procurar ambientes refrigerados sempre que possível. Se a Prefeitura não disponibilizar espaços adequados, as pessoas podem recorrer a shoppings, bibliotecas ou centros comunitários com ar-condicionado.

Pedro Jacobi também chama a atenção para experiências internacionais que podem inspirar ações no Brasil. Em cidades europeias como Barcelona estão sendo criados abrigos climáticos em escolas e espaços públicos para proteger a população mais vulnerável durante ondas de calor. No Brasil, ele afirma que as iniciativas ainda são tímidas, mas começam a surgir, como o projeto Abrigos Climáticos, realizado em parceria entre universidades e Prefeituras.

O projeto é desenvolvido na cidade de Santos e um dos líderes é Pedro Torres, professor da Unesp de São Vicente e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental (Procam) do IEE. A iniciativa busca justamente adaptar espaços para funcionar como refúgios em dias de calor extremo. “São iniciativas de baixo custo, que podem salvar vidas quando bem implementadas, principalmente nas áreas mais prejudicadas. A periferia é a mais afetada, tanto pelo calor quanto pelas chuvas fortes. A falta de arborização e de infraestrutura adequada agrava a vulnerabilidade dessas regiões”, destaca Jacobi.

Já pela parte governamental, Helena enfatiza que é importante o uso de estratégias baseadas na natureza, como criação de parques e arborização urbana. “Essas são medidas coletivas, acessíveis e com efeitos comprovados no bem-estar das pessoas, mas não há solução mágica para um problema como esse. É preciso pensar em políticas públicas integradas, com foco na equidade social, planejamento urbano e adaptação às mudanças climáticas”, conclui Helena.

Por Julio Silva, Cinderela Caldeira e Paulo Capuzzo, do Jornal da USP

|📸 © Marcos Santos/USP Imagens

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