|🏃♀️🏃♂️ Começar a fazer corrida de rua sem estar fisiologicamente preparado é um risco
O Brasil é sede do maior festival de corridas de rua da América Latina, com 45 mil inscritos só no ano de 2024. Em 2023, foram realizadas por aqui cerca de 3 mil corridas de rua , com 13 milhões de corredores inscritos só na plataforma Ticket Sports. Essa é a dimensão das corridas no cenário brasileiro atualmente. O crescimento do esporte vem atraindo as pessoas a saírem de um estilo de vida sedentário em busca de mais saúde. No entanto, apesar de ser uma prática inicialmente simples, a corrida é um esporte de alto impacto, que exige mais esforço das articulações, tendões e músculos. Treinos longos ou de intensidade alta já de cara para iniciantes podem gerar lesões graves. Por isso, é importante que a prática seja responsável, respeitando os limites individuais de cada corpo e, se possível, acompanhada por um profissional.
Onde tudo começou
Anteriormente, o esporte já havia vivido ciclos de sucesso em escala nacional. Carlos Alberto Parreira, preparador físico da seleção brasileira de futebol, tricampeã do mundo em 1970, usou o cooper como método para aumentar o preparo físico dos jogadores. O fato ganhou repercussão mundial, principalmente após a conquista do título, atraindo várias pessoas para a prática. Nas ruas brasileiras, o esporte foi ganhando espaço até que, em 1977, foi realizada, no Rio de Janeiro, a primeira corrida de rua registrada no país, onde 75 pessoas correram do Forte do Leme ao Hotel Nacional, em São Conrado.
No período atual, o boom das corridas se deu no pós pandemia. Para Everton Crivoi, pesquisador da Faculdade de Educação Física e Esporte da USP, as pessoas estão apostando na prática de esportes para uma melhor qualidade de vida. “Acho que depois da pandemia vemos essa crescente não só na corrida, mas com uma busca pelo exercício em geral por um estilo de vida saudável. Ainda temos uma grande parte da nossa população sedentária, mas também se nota que vem acontecendo uma mudança nisso. Acredito que isso esteja muito relacionado à maneira como os estudos que mostram a importância da atividade física estão sendo trazidos. Hoje se entende que longevidade não se trata só de viver mais, mas de viver melhor também. As pessoas querem viver até os 80 ou 90 anos, mas de forma funcional, conseguindo manter uma rotina ativa”.
Dentro desse movimento geral de busca pela longevidade e uma vida mais saudável, o pesquisador explica porque a corrida se destaca. “A corrida é um esporte mais democrático, de mais fácil acesso inicial, você coloca um tênis e corre. A prática ser ao ar livre também ajuda, muitas pessoas não gostam de ir para academia ou fazer as coisas em ambiente fechado. Além disso, esse é um esporte que envolve um espírito de comunidade, muitos vão correr para encontrar aquele grupo de amigos do trabalho ou fazem parte de grupos de corrida de assessorias, o que também, dentro do contexto de longevidade, é uma das coisas importantes. Você estar inserido em algum grupo social”.
Planejamento e paciência
Apesar de ser de fácil acesso, o esporte não é tão simples quanto parece. “Começar a fazer uma corrida sem estar fisiologicamente preparado é um risco. Então se eu nunca fiz um check-up, se estou acima do peso, eu não sei como é que está meu colesterol, como está minha pressão arterial, não tenho acompanhamento médico e de repente passo a fazer um exercício, pode trazer problemas. O exercício é um estresse. Toda vez que eu vou estressar o meu sistema e não estiver preparado para responder, eu corro um risco de ter algum problema um pouco mais sério. Nesse caso, começar aos pouquinhos, com paciência, é fundamental”, orienta Crivoi.
“Se eu pensar friamente no ato de correr, não precisaria de nada muito rebuscado. Simplesmente ponho o sapato, realizo a minha corrida em uma intensidade moderada, ligeiramente cansativo de forma auto percebida. Conforme eu vou correndo vai ficando mais fácil e vou aumentando a velocidade e a distância de uma maneira gradual. Só que na prática esse processo é mais difícil”, complementa.
Ele conta que é necessário uma programação adaptada ao seu corpo e condição física para a prática mais segura. “ O pessoal pega planilha da internet ou acompanha influenciadores nas redes sociais e o problema é que existe um princípio do treinamento físico que se chama individualidade biológica. Ele diz que duas pessoas não respondem da mesma maneira ao mesmo treino, ao mesmo estresse físico. Então, não é porque um atleta de alto rendimento ou uma influenciadora que você admira faz um determinado treino, e se você fizer o mesmo a resposta vai ser a igual. Pode ser que aquele treino fique muito intenso para você e não te dê boas respostas. É importante, que você tenha um treino desenhado dentro das suas condições fisiológicas, respeitando seu ritmo de recuperação” explica o pesquisador.
Além de um cronograma próprio de treinos, o corredor iniciante precisa prezar pela paciência. “As pessoas querem resultado muito rápido do esporte. Elas não têm um histórico no esporte. Quando a gente olha para maratonistas, um dos principais pontos ali é o tempo de treino acumulado ao longo de anos de esforço”, esclarece.
“A pessoa iniciante começa a fazer cinco quilômetros e fisiologicamente o coração dela responde melhor, a respiração fica legal. Então, ela pensa que pode evoluir para os dez quilômetros. E logo ela já quer fazer os 21, e por aí vai. Essa progressão é muito rápida. E o problema é que às vezes o meu sistema cardiorrespiratório, vai responder de uma maneira mais rápida do que o meu sistema neuromuscular. Os tendões e as articulações demoram mais para se adaptar. Então, eu posso até perceber que eu consigo correr agora os 21 quilômetros porque a minha frequência cardíaca está mais baixa, mas eu não tenho um volume de treino suficiente em articulações, tendões e músculos para suportar esse estresse físico todo. Você começa a querer aumentar o volume muito rápido e começam a aparecer as lesões. Então, é preciso ter paciência. Ninguém começa a correr e com seis meses ou um ano faz uma maratona. É pouco tempo para gente conseguir ter um aumento tão abrupto de volume”.
Tipos de lesão
Os tipos de lesões em decorrência da prática das corridas em volume inadequado são variados, podendo aparecer dos pés ao quadril. “Lesões no pé são comuns. Então a gente vê muita fascite plantar, normalmente pelo uso de um tênis inadequado, ou até a fraqueza da musculatura do pé. Então, a gente andou de tênis a vida inteira e nunca submeteu o pé a grandes impactos. Não estamos preparados para conseguir absorver todo esse stress que está sendo gerado durante a corrida, de repente eu começo a correr e logo começo a ter dor no pé.”
“Depois a gente tem bastante a canelite, que dá aquela dor na frente da canela. E isso pode ser porque você não tem muita força ou pela passada inadequada, talvez você acabe correndo de uma forma que sobrecarregue essa região. A lesão do trato iliotibial, que é uma dor do lado do joelho, também por esforço repetitivo ou alguns desequilíbrios musculares. Toda vez que você apoia o pé no solo, você tem uma certa instabilidade ali do joelho, e isso pode levar a esse tipo de lesão”
“Subindo um pouco mais no corpo, temos as lesões no quadril, que também aparecem muito por esforço repetitivo e pela sobrecarga. Você não tem o quadril ou glúteo forte o suficiente para conseguir suportar o volume de corrida. Toda vez que você apoia o pé no solo, também vai ter uma certa variação desse movimento que pode sobrecarregar uma ou outra estrutura da região. Então o que vai ser a lesão principal? Vai ser aquela que ocorre na região em que você tá mais fraco fisicamente. Aquele músculo que foi estressado primeiro, que vai começar a doer primeiro”, destaca.
Para prevenir essas dores, é importante, além da programação responsável dos treinos de corrida, um trabalho de fortalecimento dessas regiões mais críticas. “Prevenção de lesão é fortalecimento muscular e progressão adequada do volume de treino. Se eu tiver um volume adequado de treino e fizer musculação focada em fortalecer meu quadril, meus pés, músculos das pernas, articulações do joelho e fizer esse trabalho aos poucos, vou conseguindo suportar essa carga de treinamento com mais facilidade”, finaliza.
Por Regis Ramos, Estagiário sob a supervisão de Marcia Avanza e Cinderela Caldeira, do Jornal da USP
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