|📉 Por que o presidente mais popular da história brasileira lidera o seu mandato mais impopular?
Por Leonardo Fernandes, do Brasil de Fato ✍️
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O terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) passa por uma das maiores crises de popularidade entre os governos petistas. Uma pesquisa Datafolha realizada entre 10 e 11 de fevereiro de 2025 revelou que apenas 24% dos entrevistados consideram a gestão do governo ótima ou boa, uma queda de 11% em relação ao levantamento realizado em dezembro de 2024, quando a aprovação do governo ficou em 35%. Já a reprovação foi de 34% para 41%. Outros 32% consideram o governo regular e 2% não souberam ou não quiseram opinar.
Os números serviram de combustível para que a imprensa aliada ao mercado e setores da oposição iniciassem uma estratégia de desgaste do atual governo, fundamentalmente do presidente da República, buscando antecipar o debate eleitoral de 2026.
Na avaliação do cientista político Juliano Medeiros, as dificuldades de imagem enfrentadas pelo governo não se explicam por um único fator, mas por um conjunto de novos elementos na correlação de forças da disputa política no país. “É um governo que está sob cerco do centro na Câmara dos Deputados, com uma oposição histriônica, com capacidade de chamar atenção e de criar factoides”, avalia. “Então eu acho que isso também dificulta o governo aprovar projetos que poderiam ter impacto positivo, como a isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil reais, por exemplo”, completa.
Outro elemento destacado por Medeiros é o orçamento impositivo, aprovado em 2015, que conferiu ao Congresso Nacional o controle de parte do caixa da União. Na opinião do cientista, falta inovação do governo para enfrentar uma realidade que já não é a mesma desde os primeiros mandatos do presidente Lula.
“O problema é que a estratégia é rigorosamente a mesma [dos primeiros mandatos] e os tempos mudaram, e aí talvez resida um erro grave de avaliação do governo. Porque nos dois primeiros governos do presidente Lula e nos governos da Dilma [Rousseff], existia uma relação com o Congresso que não estava mediada pelo sequestro do orçamento. O orçamento era manejado pelo Executivo, não havia as emendas impositivas”, analisa Medeiros.
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Portanto, segue o cientista, “a composição do Executivo, a oferta de ministérios para aliados e a liberação de emendas, que era uma prerrogativa do Executivo, era uma arma muito potente para forjar alianças. Agora, o governo já não tem essa arma, porque boa parte do orçamento está nas mãos do Congresso Nacional, seja pela via das emendas impositivas, seja por esses mecanismos que foram criados nos últimos anos, como as emendas Pix, o orçamento secreto etc”.
Mara Telles, cientista política e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), chama a atenção para uma mudança no perfil do eleitorado brasileiro, cada vez mais aderente às ideias da “nova direita” brasileira. “O eleitorado brasileiro não é mais o eleitorado de centro-esquerda”, atesta a pesquisadora. “Então o Lula derrotou o Bolsonaro, mas não derrotou a direita. E esse é um governo, do meu ponto de vista, que tem que ter um equilíbrio muito tênue porque precisa falar com seu eleitor de esquerda, mas também precisa falar com quem não é de esquerda e que votou nele. E, claro, qualquer erro vai ser utilizado pela oposição”, avalia Telles, que menciona ainda os resultados das últimas eleições municipais.
“Em 2024, a esquerda perdeu. Até cresceu um pouquinho diante do que estava, mas continuou menor do que o período do ‘lavajatismo’ de 2016. Portanto, a esquerda está perdendo seu lugar na opinião pública, nas ruas e na comunicação”, afirma a professora. “A maior parte dos prefeitos é de direita, então qualquer crítica do governo é rapidamente espalhada”, alerta.
Qual é a marca?
Longe de querer imprimir uma análise fatalista sobre a correlação de forças políticas no Brasil, Telles considera que a situação é resultado de uma demora do governo em reagir diante dos novos desafios da política brasileira. Mais do que isso, a professora avalia que falta uma “marca” no atual governo. “Qual é a marca do governo Lula? Claro que tem a marca da democracia. Mas fora o fato de que essa ampla coalisão elegeu o Lula pela democracia, as pessoas que são mais pobres não querem só a democracia”, destaca.
Para Telles, o presidente precisa se cercar de uma equipe que, de fato, encare a realidade e aponte os caminhos para além de aplaudir os feitos do governo. “Me parece que o Lula está cercado de pessoas que praticam o que eu chamo de ‘passapanismo’ eterno. Parece que têm um certo medo de falar com o presidente, só aplaudem”, opina a professora. “Se eu pudesse dizer algo ao governo eu diria, mande seus ministros pegarem ônibus, mande seus ministros passarem no supermercado, eles vão perceber que esse clima de insatisfação difuso já existe há muito tempo e que só agora estourou”, complementa a professora.
Medeiros concorda que o governo tem tido dificuldade de comunicar suas ações e, mais que isso, inovar em ações criativas que impactem positivamente a vida das pessoas. “O governo tem dificuldade de comunicar entregas e realizações. Isso tem a ver com um problema de criatividade, poucos programas inovadores, poucas novidades de impacto. Acho que isso também é um problema”, avalia.
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‘Quem não se comunica…’
Não é de hoje que a comunicação do governo federal vem sendo objeto de atenção do Palácio do Planalto. Em janeiro, o então ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Paulo Pimenta, foi substituído pelo publicitário Sidônio Palmeira, após transbordarem críticas sobre a estratégia de comunicação do governo.
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📸 © Marcelo Camargo/Agência Brasil
Para o cientista político e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj), João Feres, é preciso se atentar ao fato de que o ambiente comunicacional mudou desde os primeiros mandatos do petista. “Durante os primeiros governos Lula, o problema de comunicação esbarrava na mídia, na grande imprensa, porque toda a comunicação com o povo era mediada pela grande imprensa, a não ser a comunicação que se fazia direto via as políticas públicas de governo”, explica.
“Hoje em dia, o problema da comunicação do ponto de vista do governo, é duplo, pois continua a ser tratado com forte viés pela grande imprensa, ao mesmo tempo que tem que lidar as redes sociais. E nas redes sociais, os nossos estudos mostram que a esquerda, em geral, perde de lavada da direita repetidamente. A direita tem um poder e uma organização de comunicação nas redes sociais geralmente mais efetiva que o da esquerda”, avalia o pesquisador, que chama a atenção para a falta de iniciativa do atual governo em criar espaços de diálogos com meios de informação que possam vociferar os projetos da atual gestão.
Feres afirma que essa nova realidade, associada ao papel da mídia comercial na defesa da adoção de um programa liberal, é uma receita perniciosa para a popularidade de Lula e do governo. Mas destaca que isso não deveria ser uma novidade para o presidente.
“É surreal a falta de atenção do Governo, do PT e de Lula para essa questão da comunicação. Depois de terem apanhado tanto da mídia, de Lula ter sido preso, basicamente, como consequência de uma campanha de mídia, a desatenção com esse aspecto da comunicação dificilmente poderia ser maior. Talvez achem que o próprio carisma do Lula, a popularidade e, vamos dizer, a efetividade das políticas públicas de seu governo, mais uma vez poderia ser a solução para uma comunicação com a população que prescindisse dos meios. Isso é ilusão”.
Economia política
Embora avaliem criticamente as estratégias de comunicação do governo, os especialistas convergem sobre a ideia de que nada adianta investir em novos métodos se a população não sente a melhora concreta em suas condições de vida. Medeiros destaca os altos preços dos alimentos como um tema sensível à maioria dos brasileiros.
“Tem uma dimensão econômica que se expressa principalmente na inflação de alimentos, que tem sido uma questão de difícil solução para o governo, e que impacta principalmente a base social histórica do presidente, em particular, as pessoas que ganham até dois salários-mínimos”, avalia.
Medeiros chama a atenção para as contradições internas do próprio governo, que impedem o avanço de medidas mais corajosas para enfrentar os problemas reais da população. “Tem a dimensão das entregas, das realizações, de comunicar essas entregas, essas realizações, e tem a dimensão econômica, que é um problema de difícil solução, porque o combate à alta dos alimentos, por exemplo, passa por um conjunto de medidas que o governo, até o momento, não consegue ou não quer fazer”, pondera. “O que está predominando hoje na equipe econômica é uma visão fiscalista que não é a mais eficiente para combater a alta dos alimentos”, completa.
Fator ‘tempo’
O governo prepara um conjunto de ações, como o relançamento do vale gás, a isenção de imposto de renda para pessoas que ganham até R$ 5 mil reais e a criação do empréstimo consignado para trabalhadores da iniciativa privada, como forma de tentar alavancar sua popularidade nesta segunda metade de mandato presidencial.
“O governo precisa ser resiliente para segurar qualquer instabilidade que possa aparecer nesse período, porque leva tempo para que essas medidas sejam percebidas. Eu acho que elas podem ter, sim, um impacto positivo, mas o problema do governo hoje é principalmente o tempo”, avalia Medeiros.
Por outro lado, a impopularidade registrada pelos institutos de pesquisa faz com que a oposição e a imprensa aliada ao mercado antecipem o debate eleitoral de 2026, o que, na avaliação do cientista político, não tem relação com o momento atual.
“Uma coisa é a pesquisa de avaliação do governo. Essa é uma pesquisa importante, é uma fotografia do momento e que deve orientar sim a tomada de ações e de decisões pelo governo. Outra coisa são as pesquisas eleitorais. A pesquisa eleitoral feita quase um ano e meio antes da eleição começar não tem quase nada de valor”, considera. “Eu acho que é preciso olhar para a pesquisa de avaliação do governo e esquecer as pesquisas eleitorais por enquanto. Porque isso só vai trazer angústia ou alívio. E não é nem de angústia nem de alívio que a gente precisa, é de foco”, conclui.
|📸 © Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
Rádio Centro Cajazeiras