Por Fabíola Sinimbú, Gilberto Costa e Flávia Albuquerque, da Agência Brasil

Candidatos chegam ao local de provas para o primeiro dia do ENEM 2024
📸 © Marcelo Camargo – 2024.nov.03/Agência Brasil

Após duas horas de prova, às 15h30 (horário de Brasília), os estudantes que realizaram a primeira avaliação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2024, neste domingo (03/11/2024), puderam deixar o local do exame sem o caderno de questões. Em Brasília, os candidatos, em geral, saíram com uma boa impressão da avaliação. Eles responderam perguntas das provas de linguagens, ciências humanas e gostaram do tema da redação.

“Eu achei esse Enem muito mais fácil que os outros. A parte objetiva abordou muita coisa que está acontecendo na atualidade, como as enchentes no Sul, a covid e as sequelas de perda de memória. Além de que a redação trouxe um tema que já devia ter sido abordado muito tempo atrás e finalmente agora chegou”, disse Carliane Pinheiro Diniz, de 29 anos de idade.

Experiente no Enem, ela é formada em enfermagem e agora busca uma segunda formação em psicologia. Para isso, chegou cedo no local do exame, com uma hora de antecedência, com a matéria bem estudada e preparada para a redação, que este ano trouxe o tema “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil“.

“Eu abordei sobre os direitos raciais dos negros, porque nossos direitos na maioria das vezes não são válidos, muitas pessoas passam por cima dos direitos que sabemos que temos”, contou, confiante.

Aos 66 anos, Maria de Fátima Alves deixou o local de prova feliz. “Eu amei e acho que tirei uma nota boa. A redação falou a respeito da cultura africana, e eu gosto muito. Falei do carnaval”.

A candidata disse que não tinha o ensino médio completo, mas sonhava em ser médica e cuidar das pessoas, mas tinha que cuidar da família antes.

“Trabalhei para minha filha estudar primeiro, ela estudou, formou e hoje é advogada e já está trabalhando. Agora é a minha vez de eu fazer também uma faculdade. Vou tentar medicina para ser médica da família, se não der vou fazer enfermagem”, relatou.

Nem todos os candidatos ficaram tão confortáveis com o primeiro dia de prova. Giulia Balaban, aos 18 anos de idade, ainda não concluiu o ensino médio, mas decidiu fazer o Enem para ganhar experiência.

“Eu acho que vestibular, em geral, é um teste de resistência, basicamente. A gente tem que ficar em uma cadeira desconfortável, em uma sala cheia de gente. É estressante, mas como eu estou bem treinada pela escola, acho que posso ter ido bem”.

Para a candidata, as perguntas foram bem elaboradas e o grau de dificuldade não foi alto. “Eu já fiz muitos simulados e achei de boa até. A redação foi sobre um tema muito legal que é a valorização da cultura africana no Brasil”, diz.

Com início às 13h30, em 140 mil salas de prova espalhadas em 1.735 cidades, mais de 4 milhões de estudantes estavam aptos a fazer a primeira prova neste domingo, que será finalizada às 21 horas com a conclusão do prazo de entrega para os candidatos que solicitaram o recurso de videoprova em Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Às 19h, encerra o tempo regular para a maioria dos candidatos. Às 20h, é o prazo final de entrega das respostas pelos participantes que tiveram a solicitação de tempo adicional aprovada.

No próximo domingo (10), será aplicada a segunda prova desta edição com questões de ciências da natureza, matemática suas tecnologias.

Enem 2024: tema da redação é atual e apropriado, avaliam professores

Candidatos chegam ao local de provas para o primeiro dia do ENEM 2024
📸 © Marcelo Camargo – 2024.nov.03/Agência Brasil

O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano, “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”, proposto pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), é “pertinente”, “atual”, “apropriado”, “interessante”, “necessário”, “urgente” e “pedagógico”.

As palavras são de professores ouvidos pela Agência Brasil em Brasília e em São Paulo, que avaliam que o assunto proposto na redação do Enem permite aos alunos demonstrarem suas competências textuais e refletirem sobre a realidade brasileira.

Professora de redação do SEB, em Brasília, Analu Vargas avalia que o tema escolhido “propõe reflexão acerca do funcionamento da sociedade”. “Estamos falando de uma necessidade de valorizar a herança da cultura africana. Isso abre bagagem para se abordar também preconceito, o racismo, que é um crime, e tratar de processos que chamamos de resquícios pós-escravidão.”

A coordenadora e professora de redação do PB Colégio e Curso em São Paulo, Juliana Rettich, acredita que o Enem, com suas temáticas de redação, tem caráter pedagógico para toda a sociedade brasileira; e que este ano o Inep acertou novamente ao propor um tema que pode se transformar em pauta para reportagens de diferentes veículos de comunicação.

“Sabemos que temos três matrizes culturais no Brasil, mas ainda vivemos sob o que podemos chamar de colonialidade, um regime de poder que continua a subalternizar os povos racializados, como os povos africanos. Nas nossas aulas de redação, trabalhamos a partir da perspectiva da descolonização e da decolonialidade, discutindo a problemática dos currículos eurocentrados nas escolas e nas universidades. Diante disso, o nosso primeiro desafio é combater o epistemicídio, o assassinato do conhecimento, história e cultura produzidos pelos povos africanos e afrodiaspóricos”, aponta a docente.

Racismo estrutural

Coordenadora de redação e professora do Colégio Etapa, em São Paulo, Nayara de Barros, destaca que há vários tópicos a serem explorados no tema do Enem. “Os estudantes poderiam tratar do debate racial que tem havido no campo da educação. O próprio conceito de racismo estrutural poderia ser mencionado, em relação ao racismo como parte da estrutura social, um sistema que se manifesta nas relações políticas, econômicas e jurídicas, que vai se apresentar também como um desafio à valorização dessa herança nas mais diversas instâncias.”

Colega de trabalho de Nayara no Etapa, Luiz Carlos Dias acrescentou que o assunto da redação também diz respeito aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. Segundo ele, o ODS 18 “prima pela igualdade étnico-racial”.

“Então, para que haja a valorização da cultura africana, temos que entender que os povos africanos são marginalizados historicamente no Brasil, desde o mercado de escravizados”, afirma o professor.

Para Hagda Vasconcelos, professora do Colégio Galois, em Brasília, o tema “não surpreendeu” porque é uma “problemática persistente” no Brasil. “O Enem é uma prova muito democrática. É uma prova que coloca em questão aquilo que é necessário ser discutido.”

Na avaliação dela, os estudantes brasileiros estão preparados. “Nós temos de trabalhar a educação antirracista. Valorizar o personagem negro. Valorizar o cientista negro. Eu acredito que os meninos estão bem preparados, bem embasados para produzir esse texto”, diz Hagda, considerando o conteúdo ensinado de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que define as diretrizes e os assuntos que devem ser abordados em todas as escolas brasileiras – seja pública ou privada.​

“Eu gostei muito do tema. É muito apropriado. É um tema que ampara as nossas discussões”, avalia Gilmar Félix, professor de língua portuguesa da Secretaria de Educação do Distrito Federal e também do Colégio Marista de Brasília. O docente lembra que há uma lei desde 2003 que estabelece a obrigatoriedade do ensino de cultura africana, além da cultura indígena, nas escolas brasileiras.

“Nós, que somos do movimento negro e que somos professores, queremos uma legitimação desse ensino. O tema não vai ficar só na questão de falar de ensino da cultura africana, mas vai entrar na questão da educação antirracista”, ressalta.

Visão hierárquica

O docente, no entanto, aponta que “a sociedade tem uma dificuldade em lidar com o tema.” E que a abordagem de assuntos em sala de aula pode variar de escola em escola e até conforme a disposição dos docentes. “Alguns professores não querem debater o tema. Na nossa sociedade ainda tem indivíduos que mantêm uma visão hierárquica, de achar, por exemplo, que o papel e o lugar do negro são sempre aqueles que teve ao longo da escravidão”, lamenta.

Para Gilmar Félix, a redação do Enem, ao fazer os estudantes olharem para as heranças culturais africanas e a necessidade da valorização, “ajuda a desconstruir essa tendência hierárquica.”

O docente alerta que, caso algum aluno não tenha desenvolvido a proposta, ainda que escrevendo sem erros de português e com argumentação, corre o risco de ser eliminado ou ter nota baixa por apenas ter “tangenciado o assunto.”

“A competência 2 e a competência 3 [exigidas pelo Inep] vão cobrar justamente que ele trabalhe com repertórios legitimados. Não dá para o aluno vir com achismo. O bom repertório é aquele repertório que é legitimado.”

A competência 2 exige que o candidato interprete corretamente o tema e traga uma abordagem integral em relação a todas as palavras-chave contidas no tema e faça uma escolha adequada de repertórios capazes de contextualizar essa interpretação contida no tema. A competência 3 é uma adequada formatação de um projeto de texto que prevê a construção de uma introdução que apresente o tema, a tese e os argumentos, que aborde a problematização no desenvolvimento e depois caminho para o desfecho de intervenção.

Arte Enem competências da redação

Estudantes aprovam tema da redação do Enem, mas acham prova cansativa

Candidatos chegam ao local de provas para o primeiro dia do ENEM 2024
📸 © Marcelo Camargo – 2024.nov.03/Agência Brasil

Neste domingo (3), primeiro dia do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2024, a aplicação regular das provas foi encerrada às 19h. Após quase seis horas de avaliação, alunos entrevistados pela Agência Brasil disseram ter gostado do tema da redação, “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”, mas consideraram a prova muito cansativa. Com início às 13h30, em 140 mil salas de prova espalhadas em 1.735 cidades, mais de 4 milhões de estudantes estavam aptos a fazer as provas neste domingo.

O aluno Leonardo Tenório Jacob dos Santos, de 18 anos, disse que achou a prova de hoje mais difícil na área de geografia e história. Para o candidato, a parte de linguagem enfatizou a interpretação de textos, que ele considerou muito densos. “O tema da redação foi surpreendente, porque todo mundo estava esperando algo relacionado a clima e meio ambiente. Achei o tema legal, mas demorei um pouco para encontrar algo para associar ao tema.” Leonardo espera ir bem na prova do próximo domingo, já que tem mais facilidade na área de exatas. “Pretendo ir muito bem, porque é minha zona de conforto.”

Camila Veriano, de 23 anos, avaliou que o tempo para resolver as questões foi muito apertado. Para ela, a parte de humanas foi mais conteudista do que nos anos anteriores. Na avaliação da estudante, a parte de linguagem trouxe questões ambíguas e com muita interpretação de texto, o que aumentou o grau de dificuldade das provas. “O tema de redação eu achei muito bom, fácil, democrático e acho que todo mundo vai conseguir escrever sobre ele, porque dá margem para escrever sobre muita coisa, tem muito a ser falado sobre o tema”. Para o próximo domingo, Camila espera que o conteúdo seja parecido com o dos anos anteriores, porque o Enem vem caminhando nessa linha.

Para o estudante Enzo Zeronian, de 19 anos, a prova foi cansativa, densa, com textos bem longos na parte de linguagens e que demandavam bastante atenção do aluno principalmente com a interpretação. Porém, ele acredita que, na prova de linguagens, as questões estavam mais fáceis. “Eu me surpreendi com o tema da redação porque eles repetiram mais ou menos a dinâmica do ano retrasado, que era a questão dos povos originários.” Para ele, a parte de humanas também exigiu bastante habilidade para interpretação de texto em história e geografia e foi mais difícil em filosofia e sociologia.

Neste primeiro dia de provas, os inscritos no exame tiveram de responder a 45 questões de múltipla escolha de linguagens (língua portuguesa, literatura, língua estrangeira, artes, educação física e tecnologias da informação e comunicação) e mais 45 questões de ciências humanas (história, geografia, filosofia e sociologia), além da prova de redação.

No próximo domingo (10), será aplicada a segunda prova desta edição com questões de ciências da natureza, matemática e suas tecnologias.

|📸 © Marcelo Camargo – 2024.nov.03/Agência Brasil

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