MPT já recebeu quase 8,5 mil denúncias de assédio sexual e moral no trabalho em 2023
📸 © Aritha via Pixabay

Uma piadinha desconfortante, um elogio que invade a privacidade. Toques inoportunos, gestos indecentes, xingamentos e gritos. No ambiente profissional, comportamentos assim têm características de dois crimes muito comuns: assédio moral e sexual. O Ministério Público do Trabalho (MPT) viu crescer rapidamente as denúncias desses casos no Brasil em 2023. De janeiro a julho, a entidade recebeu 8.458 denúncias em todo o país. O número representa quase a mesma quantidade do total do ano passado inteiro, de 8.508 denúncias. A maior parte delas é de assédio moral, mas os números de assédio sexual preocupam ainda mais.

Os registros apenas de assédio sexual mais que dobraram: nos primeiros sete meses deste ano, foram 831. No mesmo período de 2022 foram 393 denúncias.

Segundo os dados do Tribunal Superior do Trabalho (TST), o número de novas ações desses casos no país também aumentou. Até agora, já são mais de 26 mil novos processos nos tribunais brasileiros. No mesmo período do ano passado foram pouco mais de 20 mil.

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O assunto, que antes era pouco debatido e denunciado, ganhou destaque após escândalos envolvendo grandes corporações. Em junho de 2022, funcionárias denunciaram por assédio sexual o então presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães.

Cinco servidoras relataram abordagens inapropriadas do gestor do banco, que, segundo as vítimas, iam desde convites para entrar em seu quarto durante viagens a trabalho, até insinuações e toques em suas partes íntimas.

Guimarães negou as acusações. Ele deixou a presidência do banco logo após as denúncias. Um dia depois, áudios gravados durante reuniões na Caixa mostraram o ex-presidente da instituição financeira ofendendo e ameaçando funcionários, completando a série de denúncias. O Ministério Público Federal (MPF), o MPT e o Tribunal de Contas da União (TCU) investigam.

A advogada trabalhista Priscila Catarcione explica que casos como esses influenciam no aumento das denúncias, porque as vítimas — que até pouco tempo tinham medo e eram silenciadas — se sentem mais amparadas e protegidas para denunciar algo.

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“Práticas consideradas normais há pouquíssimos anos, não encontram mais espaço em uma sociedade em evolução que vem buscando o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal dignos. A busca incessante por um mundo sem desigualdades impulsionou as vítimas para que se sentissem mais amparadas e capazes de denunciar práticas que não se coadunam com a ideia de dignidade humana. Agora, cada indivíduo tem o seu lugar de fala. E, finalmente, essas pessoas estão sendo ouvidas”, aponta.

De acordo com o Ministério Público do Trabalho, o assédio moral é um tipo de violência psicológica configurada pelas condutas abusivas feitas de forma repetida, como a exposição de um funcionário a situações constrangedoras, humilhantes ou que interferem em sua liberdade.

“Assédio moral no trabalho é o terror psicológico velado, muitas vezes não percebido de imediato pela vítima. É aquela prática repetitiva, feita de forma dissimulada, oculta, disfarçada. Por conta dessas atitudes, o empregado coloca em dúvida a confiança em seu trabalho e a sua competência. O assediado passa a acreditar que é o causador dos problemas, que realiza um péssimo trabalho, sem serventia”, afirma Priscila.

De acordo com a especialista, há assédio moral em ações como:

– Estabelecimento de metas impossíveis de serem cumpridas;
– Determinação para que o empregado realize muitas tarefas em curto espaço de tempo, de forma que nenhum trabalhador consiga cumprir;
– Determinar que constante de tarefas sejam refeitas, deixando subentendida falha ou incompetência do empregado;
– Isolar o trabalhador ou retirar os poderes;
– Sucessivos rebaixamentos de função;
– Divulgar boatos ofensivos sobre a moral do empregado;
– Críticas constantes e sem sentido;
– Tratamentos reiterados através de xingamentos, gritos, entre outros. Pode ser praticado por colegas de trabalho hierarquicamente iguais, de subordinado para superior e não apenas de superior para subordinado;
– Limitar o número de vezes e monitorar o tempo em que o empregado permanece no banheiro.

Ana Paula Cardoso, do escritório Aparecido Inácio e Pereira, alerta que nem todo conflito pode ser considerado como assédio moral. “O ato é baseado na prática de condutas ofensivas e constrangedoras. Invariavelmente, o ambiente de trabalho envolve divergências que fazem parte das relações pessoais”.

“Muitas vezes, os empregados enfrentarão situações desafiadoras em suas carreiras, momentos de crise e nem por isso, restará caracterizado um ambiente hostil com práticas de assédio moral”, ressalta Priscila Catarcione.

Já o assédio sexual, é o constrangimento ou ato de caráter sexual, quando o assediador, se vale de sua influência ou posição hierárquica, procurando obter satisfação de seus desejos. Tendo por objetivo obter vantagens e favorecimentos sexuais.

“São as investidas de caráter sexual não consentidas, traduzidos por cantadas, atos físicos, insinuações, gestos, e podem vir em forma de coação ou chantagem. Podem se traduzir nas brincadeiras de cunho sexual, comentários constrangedores sobre o corpo, a vestimenta, sempre com o intuito de satisfação de desejos sexuais”, explica a advogada.

Por medo de retaliação dentro da empresa ou por não confiar nos colegas, muitas vítimas desistem de denunciar casos de assédio dentro das empresas. Segundo os especialistas, apesar do boom no número de denúncias, muitos casos continuam escondidos por medo ou falta de informação, nas situações em que a vítima desconhece os próprios direitos.

“Geralmente a pessoa demora muito para avisar alguém na empresa, até porque a vítima sempre acha que ela tem culpa do fato. Às vezes não tem uma prova concreta para mostrar a alguém e aí tem essa resistência de contar na empresa, achando que ninguém vai acreditar em sua história”, analisa a orientadora educacional do ISBET, Keyce Oliveira.

No ambiente de trabalho, muitas “brincadeiras” relacionadas à aparência das pessoas eram toleradas. Questões como a gordofobia, piadinhas machistas, alusões ao corpo da mulher sempre de cunho sexual, insinuações, cantadas indesejadas e até os famosos “tapinhas” e “mãos-bobas” eram comportamentos considerados “normais” no ambiente corporativo.

No entanto, esse tipo de conduta vem sendo rechaçada por tratarar-se de invasão desrespeitosa à individualidade e privacidade do indivíduo.

“Um bom questionamento a se fazer quando se estiver em dúvida sobre qualquer tipo de conduta, é se você gostaria que algum familiar (mãe, pai, irmã(ão), tia(o), cônjuge, filha(o) passasse por esse tipo de situação. Se a resposta for negativa, com certeza a conduta não é compatível com um ambiente saudável e digno de trabalho”, afirma Priscila.

Assédio e trauma

Uma jovem de 26 anos foi vítima de um assediador enquanto era estagiária de uma instituição pública. Por medo, ela prefere não se identificar.

“Eu era estagiária num órgão público federal, e eu precisava de uma ajuda para o meu trabalho de conclusão de curso. Fui conversar com um profissional que estava lá e que podia me ajudar com isso. De primeira ele topou, falou que me ajudava, que me orientava. E quando a gente marcou para realmente ele me ajudar, ele se sentiu no direito de passar a mão em mim”, relata.

Ela denunciou o homem aos superiores, mas a instituição não tomou nenhuma medida. “Depois de alguns meses eu falei com o RH e eles falaram que estavam cientes do comportamento dessa pessoa, que ele já tinha feito isso com outras moças, mas que ninguém tinha provas. Não tinha acontecido diretamente no ambiente de trabalho, então não tinha o que eles pudessem fazer”, explica.

“Sempre me questionam o porquê de nunca participar de nada. Já fui até rotulada de ‘chata’ e ‘estranha’, mas eu ainda não consigo me sentir à vontade. Tenho a sensação de que, a qualquer momento, aquilo vai acontecer novamente. Sei o quanto isso me prejudica socialmente, mas ainda estou aprendendo a lidar com isso”, afirma.

A psicóloga Cláudia Melo explica que esse tipo de receio é mais comum do que se imagina. Ela aponta que, tanto o assédio moral quanto o sexual, podem ter efeitos gravíssimos na saúde mental da vítima, desenvolvendo quadros de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático.

“Você percebe que algumas das pessoas que vivenciam esse tipo de violência por muito tempo e não conseguem encontrar uma saída, não sabem dos seus direitos, têm a ideação suicida. Esses casos também podem afetar a autoestima e a autoconfiança da vítima”, destaca.

“A pessoa acaba se sentindo incapaz de realizar o seu trabalho, incapaz de arrumar um outro emprego, porque perde a confiança no seu potencial e naquilo que se propõe a fazer na empresa. Ele foi completamente minado pela pessoa que cometeu o assédio”, continua Cláudia.

A especialista também chama a atenção para a manifestação física do trauma: “O paciente começa a ter o distúrbio do sono, gastrite. É uma pessoa que está o tempo todo reclamando de enxaqueca, têm muitas dificuldades nos relacionamentos profissionais, porque ele se sente muito constrangido e limitado dentro dessa própria empresa”.

“Lidar com os traumas desse assédio pode ser muito difícil para a vítima. É importante buscar ajuda profissional para lidar com os efeitos psicológicos que esse tipo de violência causou. (…) Também é importante que o empregador forneça um ambiente seguro, um ambiente em que ele se sinta mais confortável para exercer seu papel, a sua função”, acrescenta.

Cláudia Melo também ressalta que é necessário a vítima falar das suas dores, compartilhar com mais pessoas e buscar ajuda em alguns grupos.

“Não ter vergonha, não ter medo. Ressignificar a sua história e o seu processo. Buscar quem era antes de tudo acontecer e, principalmente, não abrir mão do tratamento, da medicação, atividade física, do lazer e prazer”, aconselha.

Como denunciar

O primeiro caminho é comunicar ao setor responsável da empresa, seja por meio do Recursos Humanos (RH) ou Ouvidoria, e ao superior hierárquico do assediador. De acordo com os especialistas, é dever da empresa iniciar uma apuração sobre a situação exposta pela vítima, para que o ambiente de trabalho seja o mais digno.

“Caso se sinta intimidado a expor a situação, o empregado assediado, pode buscar o aconselhamento jurídico de um advogado especialista para que seja analisada a melhor forma de conduzir a questão, ou até mesmo, ajuda, junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT), formalizando denúncia”, orienta Priscila Catarcione.

As denúncias no MPT podem ser feitas de forma anônima e sigilosa, em que o nome do denunciante não aparece durante a investigação. No site do órgão, basta clicar em denúncia e preencher os dados. Porém, é importante deixar contato para futuros esclarecimentos, para facilitar a apuração.

No Rio, a Secretaria Municipal de Trabalho e Renda afirma que repudia os casos de agressão e assédio aos trabalhadores. O órgão informou ao DIA que as denúncias recebidas são encaminhadas aos órgãos competentes. “A secretaria, por meio de seus programas e de suas redes sociais, enfatiza a importância do respeito e do cumprimento da lei no ambiente do trabalho”.

Ana Paula Cardoso ressalta que é importante buscar os seus direitos trabalhistas. “Havendo comprovação da ocorrência de assédio, é possível requerer o pagamento de indenização. Nos casos de assédio moral, é cabível a reparação pelos danos morais, pelo abalo psicológico e danos materiais, se com esse assédio o profissional teve reduzido o seu rendimento no trabalho ou teve que ser afastado”, disse.

A especialista em direito trabalhista também aponta que é necessário reunir provas que possam ser usadas na ação como e-mails e prints de telas. “Também é possível a gravação do ambiente sem o conhecimento da outra parte”, afirma.

Já Priscila Catarcione indica o uso de imagens de câmeras e monitoramento da empresa e testemunhas. “Muitas vezes, as câmeras de segurança são fortes aliadas para a apuração do ocorrido. Porém, caso o assédio seja praticado na presença de outras pessoas, seus testemunhos também são de muita valia para sua caracterização e prova”.

Apesar do receio das vítimas, os especialistas afirmam que muitos casos não ficam impunes. Dependendo da gravidade, o assediador pode levar uma advertência, suspensão, troca de setor ou até mesmo um desligamento. Em algumas situações, a empresa dá uma segunda chance e mantém a vítima afastada do mesmo setor do assediador. Na lei, a pena prevista é de um a dois anos de prisão.

Alguns órgãos disponibilizam cartilhas com orientações, prevenção, perguntas e respostas, sobre o tema e como as vítimas devem agir nesses casos. Exemplos são o Ministério Público do Trabalho, o Tribunal de Contas da União (TCU), Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), que lançaram um documento em conjunto, o próprio Governo Federal, entre outros.

“Um ponto a ser destacado é a importância da não banalização do assédio. Realizar brincadeiras em relação ao assunto, acaba descredibilizando e desencorajando a vítima a denunciar”, conclui a especialista em direito do trabalho Ana Paula Cardoso, do escritório Aparecido Inácio e Pereira.

A reportagem entrou em contato com o Ministério do Direitos Humanos e o Ministério do Trabalho e Emprego para saber detalhes de ações das pastas para o combate a esses tipos de crime, mas não recebeu resposta até a publicação desta matéria. O espaço permanece aberto. As informações são do site O Dia.

|📸 © Yan Krukau/Pexels

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