|🤱🏿 Amamentação exclusiva ajuda na colonização da microbiota intestinal de bebês, diz pesquisa

O parto cesáreo impacta negativamente a colonização inicial e o estabelecimento da microbiota intestinal de bebês nos primeiros meses de vida devido à ausência de contato com microrganismos presentes no canal vaginal. No entanto, a amamentação exclusiva (AME) com leite materno pode mitigar esses efeitos. É o que mostra uma pesquisa realizada no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.
Por meio de análises metagenômicas realizadas em amostras de fezes de 525 bebês, os cientistas mostraram que a amamentação exclusiva promove uma colonização bacteriana gradual – e esperada – na microbioma intestinal até os 5 meses de vida, independentemente do tipo de parto.
Aos 3 meses, a não amamentação contribui para a aquisição prematura de espécies como Ruminococcus gnavus, associada a um maior risco de doenças alérgicas e respiratórias quando não adquirida no momento oportuno. Por outro lado, uma colonização posterior desta espécie, juntamente com outras que degradam a mucina (proteína responsável por formar uma barreira protetora nas superfícies mucosas do corpo, como o revestimento do estômago, intestinos e vias respiratórias), está associada a uma redução no desenvolvimento de doenças alérgicas.
Ao Jornal da USP, a orientadora da pesquisa e professora do ICB Carla Taddei explica que, no parto cesáreo, o bebê tem mais contato com os microrganismos presentes no ambiente e de forma mais acelerada. “Na criança pequena, essa colonização precisa acontecer de forma muito gradativa.” Já com os adultos, acontece o contrário. “Essa é a grande diferença: microbiota de adulto, quanto mais diversa, mais metabólitos, mais interações bioquímicas, mais interações célula-bactéria, melhor.”
Nathalia Naspolini, pós-doutoranda do ICB e primeira autora do artigo, diz que essa maturação mais lenta é importante para o sistema imunológico.“Quando a criança nasce de parto vaginal, com menor carga inicial de bactérias, tem uma questão de preparo do sistema imune, que vai reconhecendo essas bactérias, o organismo vai se acostumando a elas até atingir uma tolerância imunológica.”
Bifidobacterium longum e E. coli foram as espécies mais presentes em todos os bebês e momentos, independentemente das práticas de amamentação ou do tipo de parto. Outras espécies de Bifidobacterium, como B. breve, B. bifidum e B. dentium também estavam abundantes em todos os bebês, consequência tanto da amamentação mista quanto da exclusiva.
Em uma abordagem complementar, utilizando aprendizagem de máquina, os cientistas mostraram que a amamentação exclusiva favorece a produção da vitamina K, um nutriente que desempenha um papel crucial na coagulação do sangue, na saúde óssea e na função cardiovascular, mediada pela presença de Escherichia coli.
As amostras analisadas são de bebês integrantes do projeto Germina, um estudo de longo prazo que acompanha o desenvolvimento de cerca de 500 crianças durante mil dias, dos 3 meses aos 3 anos de idade. O objetivo é entender como a interação de fatores genéticos e ambientais respondem ao desenvolvimento cerebral, cognitivo e emocional saudável.
Carla explica que a metodologia utilizada no estudo trouxe mais confiabilidade aos resultados. “Avaliamos mais de 5 milhões de sequências de DNA de cada criança, quando o comum é ficar entre cem e 500 mil em uma análise convencional”, explica. “Com isso, conseguimos analisar as rotas metabólicas, ou seja, o que essas bactérias estão fazendo ali.”
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As bactérias E. coli vivem no intestino de pessoas saudáveis, onde cumprem papéis essenciais, como funções metabólicas. Nos recém-nascidos, elas geralmente são transmitidas da mãe para o bebê durante o parto e têm sido descritas como um um fator importante para o estabelecimento do microbioma infantil em estudos no Brasil.
“Não é a mesma bactéria que causa intoxicação alimentar”, ressalta Carla. “Essa tem se mostrado muito presente em países em desenvolvimento e agora constatamos seu papel funcional e superimportante na produção de vitamina K em bebês com amamentação exclusiva.”
Em países desenvolvidos, contudo, uma alta abundância da espécie tem sido associada à disbiose, desequilíbrio da microbiota intestinal, cujos sintomas mais comuns são diarreia ou constipação, gases, inchaço abdominal e cansaço.
O estudo Germina incluiu 560 bebês no primeiro momento (3 meses) e 532 compareceram à segunda consulta, entre 5 e 9 meses. Um total de 552 amostras fecais foram coletadas na primeira consulta e 495 na segunda consulta. Os bebês foram categorizados em dois grupos: com aleitamento materno exclusivo e não exclusivo, e de acordo com o modo de parto dentro de cada categoria (parto vaginal e parto cesáreo); 71% dos bebês amamentados exclusivamente aos 3 meses continuaram nesta condição até os 6 meses.
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Muitos estudos já comprovaram que o leite materno é a melhor fonte de nutrição para bebês: ele oferece proteínas, açúcar e gordura, anticorpos, fatores imunes, enzimas e células brancas do sangue.
O aleitamento materno prolongado reduz em 13% o risco de sobrepeso e obesidade, ajudando a combater doenças não transmissíveis causadas pela obesidade. Também diminui o risco de diabetes tipo 2 em 35%. Os dados são da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
De acordo com as pesquisadoras, este estudo pode ajudar na orientação de estratégias de intervenção preventiva e na formação de políticas e práticas educacionais voltadas à promoção do aleitamento materno exclusivo, principalmente em bebês nascidos por cesárea.
“Nós mostramos que quanto mais tempo de amamentação exclusiva melhor será o desfecho de saúde da criança: ela terá uma microbiota com capacidade metabólica mais rica, apesar de menos diversa, e esse ganho de diversidade será em uma velocidade adequada, evitando inflamações e alergias do futuro”, completa Nathalia.
O estudo foi publicado em abril na revista Gut Microbe
Por Fabiana Mariz, do Jornal da USP
|📸 © José Cruz/Agência Brasil
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