? Aquecimento global pode afetar produção de pólen, impactar no cafezinho e desaparecer com o maracujá
Por Lucas Rocha da Sputnik Brasil
Os efeitos do aquecimento global sobre a produção de pólen pelas plantas pode diminuir a produtividade de cultivos como café e promover o desaparecimento de frutos como maracujá, maçã e melão. Essa é a avaliação do biólogo Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, em entrevista à Sputnik Brasil.
A tendência de aumento da temperatura global, alertada reiteradamente pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), pode provocar efeitos diretos na reprodução das plantas. O pólen, elemento central na fecundação das espécies do mundo vegetal, pode estar em risco com o crescimento do calor.
A polinização é o processo pelo qual as plantas se reproduzem. O grão de pólen é levado das anteras, órgão masculino de uma flor, para o estigma, órgão feminino, de uma flor de mesma espécie ou de outra.
Esse processo pode ser realizado pela própria planta, por fatores ambientais ou com o auxílio de agentes polinizadores — principalmente as abelhas.
Pesquisadores já têm alertado para o declínio da população de algumas espécies de abelhas, o que pode colocar em risco o processo de reprodução, mas não termina por aí. Estudos ainda indicam que o próprio pólen pode ser afetado.
Estudos realizados por pesquisadores dos Estados Unidos indicam que o aumento da temperatura reduziu drasticamente a produção agrícola. Em entrevista à BBC, o cientista Mark Westgate, professor de agronomia da Universidade Estadual de Iowa, explicou que as proteínas que alimentam o metabolismo de um grão de pólen começam a se decompor em altas temperaturas.
Esses impactos do aquecimento global na produção de polén também podem chegar ao Brasil e afetar cultivos como girassol, melão, café e morango, conforme avalia o biólogo Cristiano Menezes, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente.
Menezes explicou à Sputnik Brasil que as mudanças climáticas afetam diretamente a produção de pólen, mas cada planta reage de uma maneira justamente por conta dos distintos processos de reprodução.
“Pesquisas mostram cenários diferentes para diferentes tipos de plantas. Em plantas como carvalho, ciprestes, que dependem do vento para a polinização, há um excesso na produção de pólen — o que pode aumentar alergias entre os seres humanos”, disse.
“Em outras plantas, as mudanças climáticas prejudicam a viabilidade do pólen por causa do estresse causado pelo calor. O calor diminui o tempo de vida de um grão de pólen e, com isso, a chance de fecundar outra flor”, afirmou.
O especialista afirma que essa viabilidade do pólen não afeta diretamente as abelhas, mas há outros efeitos do aquecimento global sobre elas.
“Para as abelhas isso não é um problema grave, não afeta a alimentação e a nutrição delas. O que afeta as abelhas na questão das mudanças climáticas é como elas modificam o lugar em que elas vivem, a dinâmica do ambiente, as chuvas e a capacidade de sobrevivência. No Brasil, algumas áreas podem ficar inviáveis para as abelhas em razão das mudanças climáticas. Um dos estudos é sobre a abelha guaraipo, que pode ter uma redução de área aqui no Sudeste de 25%“, explicou.
Segundo ele, os cultivos no Brasil que são dependentes de polinização podem ser afetados, como girassol, melão, maçã, maracujá, café, tomate e morango. “Esses cultivos precisam da polinização para ter boa produtividade. Ao ter a viabilidade dos grãos de pólen diminuída, você pode ter uma diminuição da produtividade”, explicou.
“Ao ter um pólen menos viável, vai ter menos frutos e sementes. Para alguns cultivos, como melão, maçã e maracujá, isso é extremamente importante. Sem isso, não tem mais produção, fica inviável. Sem polinização, sem abelha, esses cultivos podem desaparecer. Isso é uma realidade. Já café, morango e tomate são cultivos que se consegue produzir sem polinização, mas a produtividade diminui. Teríamos uma menor qualidade nesses frutos e uma diminuição na produção”, disse Cristiano Menezes.
“O impacto vai ser um aumento de preços e uma redução da qualidade e da produtividade”, apontou.
Menezes destacou que em um cenário catastrófico os cultivos podem ser substituídos por outros que não dependem de polinização, como banana, abacaxi, batata e milho. “A gente espera que não se chegue nesse ponto”, acrescentou. Esse possível sumiço impacta diretamente na nutrição humana e na economia nacional, afinal a exportação de frutas é um segmento muito relevante na balança comercial.
O pesquisador aponta que a solução para frear essas mudanças e evitar que se chegue em um cenário catastrófico de substituição de melão, maçã e maracujá por banana e batata é investir em reflorestamento.
“A medida com melhor custo-efetividade é reflorestamento, recuperação de áreas degradadas. Essa deve ser a era da recuperação ambiental. Chegamos no limite máximo de destruição, a gente precisa pensar em recuperar.”
“Outras medidas são sempre mais custosas e complexas. A redução de gases de efeito estufa, investimentos para o parque poluir menos são sempre mais caras que a recuperação de áreas degradadas. É o que temos que fazer para proteger a polinização, os polinizadores, os ciclos de água, os microclimas locais, a recuperação das nascentes. Somente a recuperação ambiental é o caminho para a gente conseguir reverter e mitigar os efeitos das mudanças climáticas“, declarou.
O especialista destaca que esse esforço deve ser feito também em áreas urbanas e mencionou o Programa ReflorestaSP, do governo do estado de São Paulo, como um bom exemplo.
Menezes reforça também a importância de valorizar as abelhas — fortalecendo a cadeia de criadores de abelhas nativas e cuidando dos corredores ecológicos — e melhorar a relação da agropecuária com seu entorno.
“Nós temos um débito de áreas que a gente precisa recuperar. Em breve, os agricultores serão obrigados a cumprir suas metas de recuperação de áreas. Inicialmente, os produtores podem enxergar como um custo, mas é um investimento na produtividade. Se eles perderem o que têm gratuitamente — polinização, ciclos de chuva —, o prejuízo vai ser muito maior”, finalizou.
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Rádio Centro Cajazeiras via Sputnik Brasil