Trabalhadores e desempregados têm usado a pandemia do novo coronavírus, que já deixou mais de 109 mil mortos em todo o país, como argumento para sacar – com sucesso, em vários casos – todo o dinheiro do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Na prática, o resgate do FGTS é bem limitado, o que gera críticas de espacialistas, uma vez que o dinheiro é, afinal, do trabalhador. A legislação permite o saque em casos de demissão sem justa causa ou para quem se aposentou, por exemplo – conheça 10 situações nas quais é possível fazer o resgate do dinheiro do FGTS.

Além disso, o governo permitiu, por causa da pandemia, o saque emergencial do FGTS de até R$ 1.045. Também é possível ter acesso ao dinheiro via saque-aniversário, igualmente limitado, pois a pessoa terá de abrir mão de parte do resgate caso seja demitido.

No entanto, brasileiros têm conquistado na Justiça o direito de acessar até todo o Fundo de Garantia com base no Decreto nº 5.113/2004, que permite o resgate caso o governo federal determine estado de calamidade pública em razão de desastre natural.

A lei diz o seguinte: “O titular de conta vinculada do FGTS que resida em área em situação de emergência ou estado de calamidade pública, poderá movimentar a referida conta por motivo de necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorram de desastre natural”.

Utilizando e adaptando essa disposição legal, uma vez que o governo federal decretou estado de calamidade pública em 20 de março, que vigora pelo menos até 31 de dezembro, muitos trabalhadores e desempregados que comprovem necessidade estão conseguindo acesso ao FGTS. Embora não exista um registro formal de quantas causas do tipo já foram vencidas no país, advogados assinalam o crescimento dessas ações.

“Até o fim deste ano, todo o país está em estado de calamidade pública. Com essa decretação, mais o estado de necessidade da própria pessoa, a Justiça entende que o autor da ação pode sacar”, explica o advogado trabalhista Peterson Vilela, do escritório L.O. Baptista Advogados.

De acordo com o artigo 4 da lei que autoriza o resgate do FGTS em caso de calamidade pública, o “valor do saque será equivalente ao saldo existente na conta vinculada, na data da solicitação, limitado à quantia correspondente a R$ 6.220”. No entanto, juízes têm autorizado o saque de todo o Fundo de Garantia.

Demissão por justa causa

Isso aconteceu, por exemplo, com o desempregado Rosenildo Cunha da Silva. Ele ganhou uma causa no Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (TRT-11), na vara de Manaus (AM), e conseguiu sacar todo o dinheiro do Fundo de Garantia.

No recurso, ele assegura que possui filhos menores e que, por isso, precisa sustentar a família e pagar aluguel. Ele contou também ter sido dispensado por justa causa, o que o impede de ter acesso, além do FGTS, ao seguro-desemprego.

“Desde logo, ressalto que a liberação do saldo de FGTS por meio de decisão liminar, em tempos normais, encontraria óbice na modalidade da dispensa, haja vista que a justa causa imputada ao empregado impede o saque imediato do FGTS”, esclareceu o tribunal.

“Entretanto, nas circunstâncias atuais, o quadro é diverso”, completou o juiz trabalhista Julio Bandeira de Melo Arce, ao considerar que a pandemia é um “desastre natural de proporções globais”, apesar de a legislação falar apenas em chuvas ou inundações.

“Por todo o exposto, concedo a tutela de urgência postulada determinando a expedição de alvará judicial para saque integral do saldo de FGTS depositado na conta vinculada do reclamante”, prosseguiu.

Nesse caso, o juiz reconheceu, na decisão, o limite do saque de R$ 6.220 previsto em casos de calamidade pública. No entanto, destacou que a legislação não prevê situações como a pandemia e, por isso, “tal limite incidir no caso concreto em razão da amplitude e profundidade da crise sanitária, econômica e social que vivenciamos”.

“Graves dificuldades financeiras”

Situação semelhante aconteceu com Ricardo Morais Sangiorato, que ganhou um processo na vara de Araras (SP), no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15). Ele é vendedor e sustentou que, em razão do isolamento social obrigatório (a ação foi protocolada em abril deste ano) “está encontrando graves dificuldades financeiras devido à redução de ganhos”.

O juiz Luís Rodrigo Fernandes Braga reconheceu o direito do vendedor ao Fundo de Garantia, também em razão da calamidade pública, e informou que: “Por medida de celeridade e economia processual, cópia da presente decisão, assinada pela forma eletrônica, tem força de alvará judicial para saque dos valores depositados na conta vinculada da parte reclamante”.

Documentos

A Caixa Econômica Federal explica que em casos de estado de calamidade pública decorrente de desastre natural causado por chuvas ou inundações que tenham atingido a área de residência do trabalhador é necessário apresentar os seguintes documentos:

  • Documento de identificação pessoal.
  • Carteira de Trabalho.
  • Cópia autenticada das atas das assembleias que comprovem a eleição, eventuais reconduções e término do mandato, quando se tratar de diretor não empregado.
  • Número de inscrição PIS/Pasep/NIS.
  • Comprovante de residência emitido nos últimos 120 dias anteriores à decretação da emergência ou calamidade havida em decorrência do desastre natural.

O advogado Peterson Vilela, por sua vez, aconselha à pessoa reunir o máximo de documentos que possam comprovar uma necessidade pessoal de obter a grana.

“Se a pessoa está com a intenção de entrar com uma ação visando alcançar os recursos do FGTS, acredito que o primordial é demonstrar para o juiz o seu real estado de necessidade, para que, justamente, consiga convencer o juiz que, de fato, precisa do dinheiro”, diz.

“Não basta entrar como uma ação e não apresentar prova documental. É preciso apresentar os documentos que comprovam, se paga aluguel, se está com o condomínio atrasado, se tem assistência médica. Talvez mostrar o extrato do cartão de crédito para comprovar a necessidade de compras, além de contas de luz, internet, água”, completa.

Via Metrópoles

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