CARNAVAL: A FESTA DAS CONTRADIÇÕES!
Desde os primeiros anos de escola, aprendemos que o Brasil é a terra do Carnaval. O país do samba, da folia e da diversidade que se manifesta em cores, ritmos e tradições. Dizem que é a festa do povo! E talvez seja. Pelo menos ainda é no imaginário coletivo, onde reina a ilusão de que, por quatro ou cinco dias, o Brasil se esquece de suas mazelas e se entrega a uma alegria febril e desenfreada. No Carnaval, todo mundo é de todo mundo, mesmo que, na ressaca da quarta-feira de cinzas, reste apenas a sensação de que ninguém foi de ninguém!
O espírito da folia parece ser um convite à anarquia consentida. É o momento de largar as amarras do cotidiano, de dançar, cantar, pular, suar a camisa e correr atrás do trio elétrico. Amores de Carnaval surgem e se dissolvem ao sabor das marchinhas e dos batuques, sem a necessidade de compromissos. A palavra de ordem é aproveitar, mergulhar no excesso, porque, depois, a vida segue seu curso impiedoso.
Mas se o Carnaval é um espelho do Brasil, então é inevitável que nele também resplandeçam nossas mais profundas contradições. A festa que nasceu popular foi, aos poucos, sendo cercada por barreiras. Camarotes milionários, abadás que custam uma fortuna, ingressos para áreas “VIPs”. O Carnaval, que deveria ser para todos, se transforma num baile segregado, onde a distinção entre ricos e pobres é marcada pela cor do tecido e pelo valor do acesso.
Há ainda a crítica às cifras estratosféricas que envolvem o evento. Milhões de reais despejados pelo Estado em patrocínios, cachês de artistas que, em poucas horas, embolsam quantias que um trabalhador comum levaria uma vida para ganhar. Um aparato de segurança, saúde e infraestrutura digno de uma cidade cenográfica — mas apenas por alguns dias. Na quinta-feira, tudo volta ao normal. As filas nos hospitais, as ruas esburacadas, a ausência de policiamento. O período do Carnaval tem prioridade; o resto do ano, nem tanto!
O paradoxo não para por aí. Enquanto se multiplicam campanhas contra o assédio, os palcos ecoam músicas cujas letras que objetificam as mulheres. Pregamos a proteção às crianças e adolescentes, mas ensinamos dancinhas de conotação duvidosa. Passamos o ano falando em respeito aos idosos e aos neurodivergentes (pessoas com autismo, TDAH etc.), mas, na explosão da folia, seus direitos são relativizados em nome do “direito de extravasar”.
Organizar o carnaval é um desafio inglório para qualquer governante. São muitas vozes, muitas demandas, muitas expectativas. Como conciliar o direito ao lazer com a responsabilidade fiscal? Como garantir segurança sem sufocar a espontaneidade? Como manter a tradição e agradar as novas gerações? Como promover essa festa tida por popular sem reforçar desigualdades?
A grande maioria dos brasileiros ama o Carnaval, é fato. Mas talvez seja a hora de repensarmos como temos celebrado essa festa e de buscarmos proporcionar o largo sorriso no rosto de todos, indistintamente. De igual forma, o poder público deve ter a sensibilidade para prestar os seus serviços dignamente e com rápido acesso aos cidadãos em todas as épocas do ano e não apenas no período carnavalesco.