Há pouco mais de 40 anos, a ideia de um mundo conectado habitava apenas as mentes dos entusiastas da informática e os roteiros das produções de Hollywood. O ciberespaço era visto como uma “outra dimensão”, onde participar exigia uma série de equipamentos e conhecimentos complexos, inacessíveis para grande parte da sociedade. Estar conectado à rede fazia parte de um processo que demandava tempo e dinheiro. Apesar da internet já conter um volume considerável de informações, ainda era algo rudimentar se comparado ao pós-anos 2000. Para acessar conteúdos mais seletos, era necessário “caçar e pilhar” informações na rede, uma referência direta aos navegantes e piratas dos mares.

Com o avanço do tempo, a tecnologia passou por mudanças e aperfeiçoamentos. Hardwares que antes custavam uma fortuna tiveram uma queda expressiva de preço, softwares extremamente complexos tornaram-se mais fáceis, usuais e intuitivos. A internet passou a ser incorporada ao cotidiano como uma ferramenta, um serviço e uma necessidade.

Para compreender de forma clara os impactos da internet e suas transformações na vida das pessoas, é preciso voltar a atenção para o passado e entender a relação da sociedade com a tecnologia de sua época. Para isso, serão analisadas três obras cinematográficas concebidas em diferentes momentos históricos, cada uma com sua própria visão da tecnologia.

Blade Runner – 1982

Nos anos 1980, a tecnologia era vista como algo essencialmente físico. A eletrônica estava em alta, e surgiam, ainda de forma tímida, os primeiros computadores pessoais. A lógica mecânica versus eletrônica pode ser observada no filme Blade Runner (1982), dirigido por Ridley Scott. Nessa obra, o ápice da tecnologia era um misto de hardware eletrônico e mecânico, enquanto a ideia de software era praticamente ignorada. Na época, os computadores pessoais e a própria internet ainda eram restritos a um pequeno nicho de especialistas, o que conferia à rede uma “áurea nerd” pouco atrativa para o público geral.

Nos anos 1990, a internet assumiu um novo papel. Passou a ser tratada como a “promessa para o futuro”, capaz de interligar os computadores globalmente. Após o lançamento do Windows 95 e do navegador Internet Explorer, a World Wide Web tornou-se extremamente popular e passou a ser a face mais conhecida da internet. Entretanto, essa era ainda uma internet muito diferente da atual. O acesso à rede era dificultado por uma infraestrutura complexa e cara, composta por placas, modens, cabos e provedores. Essa realidade está presente no filme Matrix (1999), dirigido por Lana e Lilly Wachowski. O longa apresenta uma identidade cyberpunk e aborda uma luta entre humanos e máquinas em um futuro distópico. A trama gira em torno de um software de inteligência artificial que aprende de forma recursiva a perpetuar sua existência. Em comparação com Blade Runner, Matrix reflete uma mudança de paradigma: nos anos 1980, a tecnologia se baseava na eletrônica e na mecânica, enquanto nos anos 1990, o software se tornou o elemento central. A ideia de conexão e desconexão, representada no filme pelo telefone, reflete bem o contexto tecnológico da época, onde a internet ainda não era onipresente.

Matrix – 1999

Nos anos 2000, uma nova transformação ocorreu: os usuários passaram a utilizar a internet de forma cada vez mais intensa. O surgimento das redes sociais em 2002 trouxe à tona a possibilidade da espetacularização da vida cotidiana. Assim, nasceu uma nova forma de mídia em que o espectador se tornou também protagonista.

O advento das redes sociais marcou uma nova etapa para a internet e seus usuários. A comunicação horizontalizada colocou em xeque o modelo tradicional dos grandes veículos de informação. As redes sociais digitais se tornaram espaços onde informações dos mais variados campos estão disponíveis, com filtros de seleção baseados nos interesses dos próprios usuários. Esse conteúdo faz parte de um gigantesco ecossistema conhecido como computação em nuvem (cloud computing), um modelo descentralizado no qual os dados estão armazenados em servidores distribuídos e acessíveis a qualquer momento e lugar.

Her – 2013

O filme Her (2013), dirigido por Spike Jonze, ilustra essa relação entre humanos e software. O protagonista, um homem com dificuldades de relacionamento, encontra conforto afetivo em Samantha, um software de inteligência artificial em nuvem que coleta, armazena e processa dados para satisfazer seus usuários. Assim como ocorre nas redes sociais, Samantha cria uma bolha ideológica e comportamental ao espelhar as emoções e aspirações do usuário. Her marca uma nova fase da internet, onde a conectividade se torna tão natural que a distinção entre mundo real e virtual se dissolve. Diferentemente de Matrix, que exigia uma conexão física para acessar o ciberespaço, em Her, a fusão entre os dois mundos é total.

A ideia de programas capazes de desenvolver laços emocionais com humanos já é uma realidade. O aplicativo Love Plus, lançado pela Nintendo em 2009, simula relacionamentos afetivos, proporcionando aos usuários uma companhia virtual sempre disponível e compreensiva. Em uma sociedade marcada pelo consumo rápido e pelo apelo constante ao novo, as redes sociais se tornam um espaço onde a própria identidade do usuário se torna mercadoria. O sociólogo Zygmunt Bauman afirmou: “As pessoas são aliciadas, estimuladas ou forçadas a se promoverem como mercadorias atraentes e desejáveis”. Dessa forma, a internet acaba exigindo de seus usuários valores antes inquestionáveis, como emoções, privacidade e sentimentos, transformando-os em produtos.

Os filmes discutidos mostram como a relação entre sociedade e tecnologia evoluiu ao longo das décadas. O que antes era um ambiente puramente técnico tornou-se um vasto emaranhado de dados alimentado por bilhões de usuários, moldando novas experiências e demandando cada vez mais tempo e atenção.

Atualmente, a internet está presente no cotidiano de 66% da população mundial, segundo Digital 2024 Global Overview Report. Com o avanço da inteligência artificial e da Internet das Coisas, novas transformações impactarão a sociedade. O ciberespaço e o mundo real estão cada vez mais fundidos, e acompanhar essa evolução sem ser engolido por ela é o grande desafio da humanidade.

Por Leonardo Lins

Referências:

BAUMAN, Zigmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 2008.

JENKINS, Henry, Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008

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