|🔥 Amazônia sofre devastação, extrema alteração climática e os impactos das queimadas

Por Paula Pimenta, da AgĂŞncia Senado
Regidos pelo ininterrupto ciclo de vida da flora e da fauna, os biomas brasileiros acolhem a maior biodiversidade do mundo e fazem do Brasil um inigualável celeiro ecolĂłgico. AmazĂ´nia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal, acompanhados do grande ecossistema marinho ao longo dos 7.491 quilĂ´metros da costa do paĂs, abrigam em seus rincões cerca de 126,3 mil espĂ©cies animais e 52,1 mil espĂ©cies vegetais registradas. Essa diversidade biolĂłgica Ămpar, que pode ser muito maior pelo que ainda Ă© desconhecido, está em constante ameaça diante dos recorrentes desafios impostos pela devastação do homem — desmatamento, queimadas, contaminação de rios e nascentes, caça ilegal, invasĂŁo de espĂ©cies exĂłticas, atividades econĂ´micas predatĂłrias — e pelas preocupantes intempĂ©ries climáticas.
As riquezas desses ecossistemas, os riscos iminentes que enfrentam e as propostas legislativas que os permeiam sĂŁo o tema da sĂ©rie “Biomas”, que a AgĂŞncia Senado inicia nesta edição. A primeira reportagem Ă© sobre o maior, menos desbravado e mais disputado ecossistema aos olhos do mundo: a AmazĂ´nia.
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A maior floresta tropical do planeta enfrenta neste momento fortĂssima seca, com previsĂŁo de se tornar a pior de toda a histĂłria. Associada Ă s altas temperaturas, a estiagem já provocou a mortandade de animais — há recente registro da perda de mais de uma centena de botos-cor-de-rosa e tucuxis no Lago TefĂ©, no Amazonas, onde a temperatura da água atingiu 40Âş C —, o isolamento de comunidades e agora oferece riscos reais para um incĂŞndio florestal de proporções catastrĂłficas, como os casos recĂ©m-registrados em paĂses do HemisfĂ©rio Norte.

Não por acaso, a importância dos biomas é defendida pela Constituição, que em seu artigo 225 pontua que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Em recente audiĂŞncia na ComissĂŁo de Meio Ambiente (CMA) do Senado, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, enfatizou que há 20 anos — quando assumiu a pasta pela primeira vez — “nĂŁo se tinha a clareza que se tem agora em relação aos graves problemas da perda de biodiversidade, da mudança do clima, da importância das florestas para o equilĂbrio do planeta, do papel que desempenham os povos tradicionais na preservação da biodiversidade e das florestas, bem como em relação ao imperativo Ă©tico de acabar com a oposição entre economia e ecologia e transformá-las numa mesma equação”.
A ministra destacou que, assim como outros paĂses que já enfrentam tragĂ©dias resultantes das alterações climáticas, o Brasil e a AmĂ©rica do Sul sĂŁo vulneráveis, o que, para ela, ficou muito claro na CĂşpula da AmazĂ´nia, realizada em agosto, em BelĂ©m.
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— Quando protegemos a Amazônia, não é para atender uma exigência externa, é porque nós, a partir de nós mesmos, queremos protegê-la e queremos fazer isso para liderar pelo exemplo — disse a ministra.
Destruição
Cheiros inebriantes de flores, folhas, cascas de árvores, chuva e o mais puro oxigĂŞnio há muito tempo nĂŁo sĂŁo os Ăşnicos a permear o bioma amazĂ´nico, que há dĂ©cadas enfrenta queimadas recorrentes, em boa parte provenientes de tĂ©cnicas utilizadas para o desmatamento. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) demonstram que 18,3% dos 4,2 milhões de quilĂ´metros quadrados que o bioma ocupa em terra brasileira já foram destruĂdos.
Apesar de ser o ecossistema mais preservado, o percentual de conversĂŁo assusta pesquisadores e especialistas em conservação de espĂ©cies, por estar muito prĂłximo de 20%, Ăndice considerado um ponto de partida sem volta para a AmazĂ´nia.
— A AmazĂ´nia Ă© um bioma bastante preocupante porque tem sofrido com baixas de desmatamento bastante significativa. Ainda temos uma proporção bastante significativa do bioma preservado, mas existe a preocupação, e isso tem sido ressaltado cada vez mais pela comunidade cientĂfica que, ao se ultrapassar um certo limiar, a AmazĂ´nia entre num vĂłrtex de degradação que nĂŁo tenha mais retorno, ultrapasse o ponto de nĂŁo retorno. Evidentemente existem vários estudos que começam a propor qual Ă© esse limiar, e eles sugerem que essa taxa seja prĂłxima de 20% — expõe o coordenador de Avaliação do Risco de Extinção das EspĂ©cies da Fauna (Cofau), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Rodrigo Jorge.

O alerta tambĂ©m Ă© feito pelo pesquisador e curador do herbário da coleção cientĂfica das plantas da AmazĂ´nia, no Instituto Nacional de Pesquisa da AmazĂ´nia (Inpa), Mike Hopkins. AlĂ©m da conversĂŁo de parte do bioma diretamente pelas ações antrĂłpicas, ele se preocupa com os resultados devastadores das mudanças climáticas.
— Francamente, onde estamos na crise climática no mundo em geral, nesse momento, provavelmente passamos do ponto de voltar para ser como era — enfatiza o pesquisador.

Diante do desmatamento e da redução das chuvas na AmazĂ´nia, o maior medo de Hopkins, no momento, Ă© a ocorrĂŞncia de “incĂŞndios apocalĂpticos”, como os ocorridos recentemente no Canadá e em outros paĂses.
— O nĂvel de desmatamento influencia o clima, a probabilidade de chuvas, a probabilidade de ter incĂŞndios. Estamos entrando num perĂodo de alto risco, de megaincĂŞndios. Sempre tinha alguma chuva, mas tem havido pouco. A floresta está muito triste no momento, está muito seca.
Levantamento do Inpe aponta que pouco mais de 36% do territĂłrio brasileiro nĂŁo tem mais sua cobertura original. Mas como a maior parte da AmazĂ´nia ainda está preservada — o bioma ocupa quase 60% do territĂłrio nacional — há uma falsa sensação de que o paĂs ainda está bem protegido, segundo o coordenador do Programa de Monitoramento da AmazĂ´nia e demais Biomas, do instituto, Claudio Almeida.
— Quando na verdade a gente sabe que há um risco bastante grande para os biomas brasileiros. É preciso estar atento e acompanhando o que está acontecendo, por isso Ă© que Ă© importante o processo de monitoramento, ter informação constante e disponĂvel para a população — afirma o coordenador do Inpe.

Espalhada por sete estados da Região Norte — Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Pará, Rondônia e Roraima — e dois do Centro-Oeste — Mato Grosso e Tocantins — o maior bioma brasileiro sofreu com altas recorrentes de desmatamento nos últimos anos, números que começam a decrescer, mas que ainda são considerados bem significativos.
Em julho de 2023, foram desmatados na AmazĂ´nia, de acordo com o Inpe, 500 quilĂ´metros quadrados, contra 1.487 quilĂ´metros quadrados no mesmo perĂodo do ano anterior, o que aponta uma queda expressiva de 66,4%.
Considerando que o ano de desmatamento Ă© contabilizado pelo instituto de 1Âş de agosto de um ano a 31 de julho do ano seguinte, a redução total nesse Ăşltimo perĂodo (2022-2023) foi de 7,4%.
— Essa queda é muito importante se consideramos que estávamos numa tendência de um aumento muito forte. No segundo semestre do ano passado houve um aumento de mais de 54,1% e conseguimos transformar isso numa queda de 42,5%. Isso é muito relevante — avalia Claudio Almeida.



Dos 769 mil quilĂ´metros quadrados já desmatados na AmazĂ´nia, 48 mil quilĂ´metros quadrados estĂŁo em unidades de conservação (acumulado de desmatamento atĂ© 2022) e 15,9 mil alcançaram as áreas indĂgenas. Nada menos do que 43% do desmatamento ocorrido está dentro de áreas com Cadastro Ambiental Rural (CAR) — inscrição obrigatĂłria para todos os imĂłveis rurais no paĂs.
— São propriedades que já têm cadastro, você sabe quem é, sabe o que está acontecendo naquela propriedade. Outros 25,3% estão em assentamentos e 13,8% em florestas públicas em áreas não destinadas — expõe o coordenador do Inpe.
Para Almeida, essa redução resulta em parte de maior ação fiscalizatória, com ida a campo, embargo de áreas e destruição de equipamentos que estavam sendo utilizados para o desmatamento ilegal.

Mosaico
Em um clima equatorial úmido, não são só árvores centenárias que formam o que se imagina ser um imenso tapete verde que compõem esse grandioso ecossistema, alerta o pesquisador Mike Hopkins.
Provavelmente, segundo o pesquisador, 80% da Amazônia esteja em terra firme, em lugares mais altos, não inundáveis, dominados pelas árvores mais longevas, extremamente grandes, com madeiras de alta qualidade e pesadas.
Hopkins explica que há ainda as áreas de florestas inundadas: parte está nas várzeas, onde as árvores passam vários meses do ano com suas raĂzes debaixo da água, em águas turbulentas, como nos Rios Solimões e Madeira. Em outros rios de águas pretas, puras e sem sedimentos, estĂŁo árvores mais baixas que sobrevivem em solos bem pobres, com muita areia, onde as espĂ©cies sĂŁo bem mais jovens. Há ainda as áreas de campinas, que podem ser inundáveis ou nĂŁo, e onde a floresta Ă© bem mais baixa e de poucos nutrientes.
— A Amazônia realmente não é um tapete verde. É um mosaico de muitos ambientes diferentes. Cada um desses ambientes tem um conjunto de espécies diferentes, que podem estar em um rio, em um vale ou um platô — expõe o pesquisador do Inpa.


São vários os problemas que castigam a imensidão amazônica, mas um dos mais preocupantes é a falta de conhecimento básico das espécies, ainda muito pouco estudadas e conhecidas.
—Se vocĂŞ nĂŁo entende os elementos das populações das espĂ©cies no meio ambiente, Ă© muito difĂcil entender os processos que acontecem. É muito importante conhecer a ecologia das espĂ©cies, saber como se chamam, quais sĂŁo suas caracterĂsticas fĂsicas, qual a distribuição. Infelizmente na Amazonia estamos extremamente atrasados em nĂvel mundial e de Brasil — avalia Hopkins.
Enquanto em outros biomas brasileiros as espécies são taxonomicamente mais bem conhecidas, na Amazônia os números estão muito longe de refletir a realidade. Conforme levantamento oficial do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (braço do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima responsável pelo registro nacional) há cerca de 12,1 mil espécies de flora e funga (fungos) catalogadas no bioma, dos quais 2,6 mil são endêmicas (só ocorrem na região).
— Minha estimativa é de que, na realidade, seja provavelmente três ou quatro vezes esses números — acredita o pesquisador do Inpa. Hopkins lembra que somente no herbário do instituto há 300 mil coletas catalogadas, mas seriam necessários pelos menos 3 milhões para um melhor retrato da flora e funga local.
AlĂ©m do reduzido nĂşmero de especialistas em identificação, descrição e catalogação de espĂ©cies, os taxĂ´nomos, cerca de 90% desses profissionais moram fora da regiĂŁo e os que atuam lá geralmente concentram-se perto das grandes cidades, ao longo dos rios e estradas, o que faz com que a vasta maioria da AmazĂ´nia seja totalmente desconhecida e pouquĂssimo desbravada.
Estudos já apontam que pelo menos 20% das microbacias da Amazônia estejam altamente impactadas por ações antrópicas, o que reflete diretamente na fauna e na flora. Além das hidrelétricas, ações como desmatamento, queimadas, plantio de grãos, criação de bovinos e garimpos atingem a vegetação natural e, consequentemente, o espaço aquático.
Com a maior bacia hidrográfica do mundo e o segundo maior rio do planeta — o Amazonas, que possui cerca de 1,1 mil afluentes, — o bioma perdeu superfĂcie de água entre os anos de 1985 e 2022, com retração de 5,5%, conforme levantamento da rede colaborativa MapBiomas.
Recentemente, a Defesa Civil do Amazonas — onde 24 municĂpios estĂŁo em situação de emergĂŞncia e mais 34, em alerta — apontou o agravamento da estiagem, que pode a vir ser a pior de toda a histĂłria no estado.
Os nĂveis de redução hĂdrica sĂŁo variáveis em todo o bioma, mas há extrema preocupação com trĂŞs grandes rios da regiĂŁo: Solimões, Negro e Madeira. Algumas comunidades estĂŁo isoladas e já há registro de mortes de animais.

📸 © Alberto César Araújo/Amazônia Real, Elton Viana/Semcom, Carlos Oliveira e Márcio Melo/Seminf

📸 © Alberto César Araújo/Amazônia Real, Elton Viana/Semcom, Carlos Oliveira e Márcio Melo/Seminf

📸 © Alberto César Araújo/Amazônia Real, Elton Viana/Semcom, Carlos Oliveira e Márcio Melo/Seminf
Na água estão alguns dos mais importantes riscos consideráveis à conservação das espécies da flora e da fauna amazônica. Estudos já conseguiram demonstrar que as hidrelétricas têm efeito drástico na sobrevivência de espécies vegetais e animais e não é somente onde está alagado.
O pesquisador Mike Hopkins explica que quando as barragens estĂŁo fechadas e a água Ă© represada, muitas plantas que estĂŁo localizadas mais abaixo deixam de ter suas raĂzes submersas, o que pode provocar altĂssima mortalidade. Nessa perda podem estar espĂ©cies raras e desconhecidas, que ainda estĂŁo no campo do hipotĂ©tico por nĂŁo terem sido catalogadas.
— Em áreas naturais, Ă© muito difĂcil saber quais espĂ©cies sĂŁo raras e quais espĂ©cies estĂŁo realmente em dificuldades — afirma Hopkins.
O barramento dos rios por conta das hidrelétricas também afeta profundamente os animais. É o caso de espécies de peixes migradores que dependem de trechos de rios livres para realizar seus deslocamentos com vistas à reprodução.
Da mesma forma, a contenção dos animais em represas fragmenta as populações, mantendo pequenos grupos dentro dos reservatórios, sem que se conheça a composição e o grau de proximidade genética. É o que acontece, por exemplo, com os botos amazônicos.
— EntĂŁo, começa a haver reprodução dentro do prĂłprio grupo e isso os enfraquece geneticamente. Qualquer doença, qualquer coisa, pode acabar com esses animais — afirma a pesquisadora do Inpa, chefe do LaboratĂłrio de MamĂferos Aquáticos, Vera Maria Ferreira da Silva.

📸 © Ascom/Pref. Presidente Figueiredo
A pesca industrial e comercial também prejudica uma grande variedade de espécies. O impacto é significativo, principalmente porque a atividade, em geral, não é seletiva, então há sempre o risco constante de captura incidental.
— A gente nĂŁo pode causar uma restrição na atividade pesqueira, o que vai gerar um impacto na economia do paĂs e na vida das pessoas. Mas por outro lado, temos sim de tomar medidas no caso de espĂ©cies enquadradas nas categorias de ameaças de extinção. Isso Ă© tanto de interesse da conservação da biodiversidade das espĂ©cies do paĂs e do mundo, como Ă© de interesse da prĂłpria indĂşstria pesqueira, porque nĂŁo querem que as espĂ©cies colapsem. Temos que colocar as partes para conversar e chegar em medidas efetivas de fato. É necessário que nĂŁo fique sĂł no nĂvel das boas intenções — avalia Rodrigo Jorge, do ICMBio.
Além da pesca, os animais aquáticos ainda brigam para sobreviver diante da contaminação dos rios, que recebem altas cargas de mercúrio e outros metais pesados lançados em suas águas pela mineração ou pelo garimpo.

De acordo com o Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (Salve) do ICMBio, das 6.728 espécies avaliadas (todos os vertebrados e alguns invertebrados), 224 estão em categorias de ameaça, sendo 137 endêmicas.
São 38 espécies na categoria criticamente em perigo, caso do sagui-de-cara-nua, do macaco-preto, da tartaruga de couro, da cobra-coral e do bicudo. Outras 47 estão em perigo, como o boto-cor-de-rosa, o tico-tico-cantor, o gato do mato, o cachorro do mato e o macaco-barrigudo, e 139 estão em situação vulnerável, entre eles o peixe-boi da Amazônia, o pica-pau de coleira, o sagui-branco, o macaco bugio, a anta, a ariranha e o peixe pintado.
A plataforma governamental do Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SiBBRr), do MinistĂ©rio da CiĂŞncia Tecnologia e Inovação (MCTI), que recebe registro de diversas instituições do paĂs, aponta que há hoje na AmazĂ´nia cerca de 4,4 mil espĂ©cies de animais vertebrados (nĂşmero que chega a quase 5 mil na literatura) e 5,6 mil espĂ©cies de invertebrados. Mas a expectativa Ă© de que esses nĂşmeros sejam bem maiores diante do muito que ainda Ă© desconhecido.
Os grandes mamĂferos aquáticos sĂŁo exemplos emblemáticos de espĂ©cies que há dĂ©cadas lutam pela sobrevivĂŞncia, o que os tornam animais sempre representativos na lista dos ameaçados.
EspĂ©cie endĂŞmica dos rios da Bacia AmazĂ´nica, o boto cor-de-rosa ou boto vermelho enfrentou longos perĂodos de pesca ilegal, a partir do final da dĂ©cada de 1990, quando passou a ser usado como isca para um bagre conhecido como piracatinga.
AtĂ© entĂŁo, os botos eram preservados pela crença em lendas e superstições. Mas alĂ©m da pesca, os animais viraram alvo dos que tĂŞm medo ou raiva desses mamĂferos aquáticos.
Atualmente a pesca do boto Ă© proibida, mas ainda ocorre, principalmente em captura incidental, que acaba por atingir em sua maioria os filhotes.
— Hoje, dificilmente se acha carcaça de boto. Os pescadores afundam a carcaça para não serem acusados de matar o animal, ou eles a utilizam como isca. Isso é uma prática que se estabeleceu na região e que se caracteriza como a maior ameaça que essa espécie já sofreu desde que o homem entrou na Amazônia, porque o boto não foi utilizado, como o peixe-boi, como alimento pela população local em nenhum momento da história — expõe a pesquisadora Vera Maria, do Inpa.
Enquanto o boto cor-de-rosa é classificado em situação de perigo, o boto tucuxi — que há estimados 2,5 milhões a 5 milhões de anos entrou na Bacia Amazônica via Atlântico — se adaptou na região e não costuma ser alvo de pesca ou caça. Mesmo assim, ele também aparece na lista dos ameaçados, entre as espécies vulneráveis.
— Esses golfinhos saltam, fazem piruetas, saem fora d’ água, não se aproximam das casas, do porto, das pessoas, e os ribeirinhos e pescadores acham que ele é o golfinho bom, ele ajuda o homem, não ataca a rede de pesca, não rouba os peixes, então ele é considerado “o bonzinho”. Enquanto o boto vermelho, que faz tudo ao contrário é visto como o ruim, o mal — explica a pesquisadora.
Agora, esses botos enfrentam um novo pesadelo: a seca e as altas temperaturas na Amazônia, que nas últimas semanas ajudaram a provocar a morte de centenas das duas espécies. Os animais foram encontrados mortos no Lago Tefé, no Amazonas.
De acordo com a pesquisadora Vera Maria, as mortes também podem estar associadas à redução dos leitos e ao aumento da temperatura dos rios (foram registrados até 40ºC), à poluição da água por fezes e urina humanas de barcos, à intoxicação por ingestão de algas tóxicas via peixes ou outros contaminantes concentrados. Filhotes e fêmeas são os mais vulneráveis.
— Só os exames que estão sendo feitos poderão determinar a causa das mortes, mas o que desencadeou foi um problema climático e ambiental — afirma a pesquisadora do Inpa.
Outro grande importante mamĂfero amazĂ´nico Ă© o peixe-boi, uma espĂ©cie que desde os primĂłrdios da ocupação humana na regiĂŁo foi utilizada pelo homem na alimentação. Muito caçado na Ă©poca da revolução industrial, alĂ©m do interesse pela carne, houve a procura pelo couro, que sĂł de espessura corresponde a cinco vezes a do bovino.
— Com o advento da indĂşstria do sintĂ©tico e a redução dos animais, eles deixaram de ser caçados comercialmente, e aĂ passou mais para uma caça de subsistĂŞncia. E, sĂł no inĂcio da dĂ©cada de 1960, o peixe-boi, com a Lei de Proteção Ă Fauna [Lei 5.197, de 1967], começou a ser protegido e hoje está classificado como espĂ©cie ameaçada de extinção na categoria vulnerável. Mas a gente sabe que há capturas acidentais em rede de pesca. Alguns problemas de poluição e outros que afligem a regiĂŁo tambĂ©m afetam esses mamĂferos aquáticos — expõe Vera Maria.
Com a redução de recursos para a pesquisa, a quantidade de animais dessas espĂ©cies de grandes mamĂferos nĂŁo pode ser precisada.
— NĂŁo temos nĂşmeros precisos para nada, porque a pandemia interrompeu várias pesquisas nesse sentido e os recursos nĂŁo foram ainda restabelecidos. Estamos sem fazer esse censo. Nesses Ăşltimos cinco anos, com a destruição de toda a fiscalização do Ibama, do ICMBio, aqui virou terra de ninguĂ©m. Nas praias do Rio Negro vĂamos muitas covas de tartaruga abertas, ou seja, foram saqueadas. Houve uma total falta de controle, de fiscalização, de cuidado com o ambiente e sua fauna — afirma a pesquisadora.
A aposta na bioeconomia — que associa os sistemas biológicos e os recursos naturais para a criação e comercialização de produtos e serviços sustentáveis — é um dos melhores caminhos para o aproveitamento e manutenção da floresta em pé.
No Senado, a ministra Marina Silva defendeu a bioeconomia como um novo ciclo de prosperidade, com atividades produtivas sustentáveis.
— Temos trabalhado muito para que o Brasil faça jus Ă s potĂŞncias que ele Ă©: uma potĂŞncia ambiental, uma potĂŞncia agrĂcola e uma potĂŞncia hĂdrica. Graças a essas qualidades, temos imensas vantagens comparativas que devem ser transformadas mais do que em vantagens competitivas. O mundo vai exigir novos conceitos, novos paradigmas.
Em audiência na CPI das ONGs, a secretária de Mudança do Clima do MMA, Ana Toni, também defendeu o desenvolvimento sustentável, a partir do meio ambiente, da economia e do social.
Ana Toni apresentou casos de sucesso na bioeconomia, como a Amaz, que tem hoje um portfólio de 21 negócios, dos quais 72,5% são liderados por mulheres e 73% são executados por pessoas ribeirinhas. Entre 2021 e 2022, segundo a secretária, o programa acelerou 41 startups locais na região. A empresa transforma frutas, sementes e outros recursos naturais em bioingredientes, como o açaà e os subprodutos.
Para reforçar que a defesa dos biomas nacionais se cumpra, está em andamento no Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 33/2023 que declara todos os biomas brasileiros — explicitamente nominados — como patrimônio nacional, de forma que sua utilização e a exploração de seus recursos naturais devem ocorrer dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente. Atualmente, a regra constitucional define como patrimônios apenas a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira.
A proposta, que tem como primeiro signatário o senador Paulo Paim (PT-RS), foi reapresentada este ano, após passar sem análise na Legislatura anterior.
— É fundamental garantir a proteção desses ecossistemas, promover o desenvolvimento sustentável e reconhecer a importância da biodiversidade. Isso contribui para um paĂs mais consciente e responsável em relação ao meio ambiente e ao seu patrimĂ´nio natural — afirma Paim.
Para o senador, o aprimoramento de fiscalização e a aplicação das leis existentes, o combate à grilagem de terras e ao desmatamento ilegal, o aumento de áreas protegidas, o incentivo à restauração florestal e a promoção da educação ambiental são medidas emergenciais.
No reforço a essa preocupação, o senador Nelsinho Trad (PSD-MS) apresentou um projeto de resolução para instituir entre os colegiados permanentes da Comissão de Defesa dos Biomas Brasileiros. A intenção do PRS 52/2023 é auferir centralidade do debate legislativo sobre o tema na Casa.
— Os biomas — Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal — sofrem cada vez mais a pressão antrópica e se encontram, em sua maioria, ameaçados em razão da ausência de marcos normativos que instituam normas gerais para a sua proteção — expõe o senador Nelsinho.
Para o senador, ao se dedicar atenção exclusiva aos biomas nacionais, viabiliza-se o debate legislativo necessário a temas tão relevantes, que, para ele, podem se difundir e não alcançar o aprofundamento necessário em outras comissões com competências em temas ambientais.
— Diante do atual cenário, a instalação da ComissĂŁo de Defesa dos Biomas Brasileiros constitui um passo de grande importância para fomentar as discussões sobre o tema e permitir que a Casa mantenha, de forma perene, uma estrutura dedicada ao debate e Ă análise de todas as questões que envolvem a defesa dos biomas. Trata-se, enfim, de um assunto vital para toda a sociedade brasileira, e que deve ser avaliado de forma a garantir que as polĂticas pĂşblicas relacionadas aos biomas tenham em conta o fomento ao bem-estar econĂ´mico e social de sua população, conjugado Ă exploração sustentável de seus recursos naturais, Ă proteção de sua biodiversidade e Ă preservação de seu meio ambiente.
TambĂ©m presidente do Grupo Parlamentar da Organização do Tratado de Cooperação AmazĂ´nica, que reĂşne senadores e deputados do Parlamento AmazĂ´nico (Parlamaz), Nelsinho Trad destaca que o colegiado multipartidário, formado por oito paĂses amazĂ´nicos — Brasil, BolĂvia, ColĂ´mbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela — tem atuado pelo fortalecimento da pauta legislativa da regiĂŁo AmazĂ´nica.
— Durante os anos em que abraçamos essa causa, conseguimos resultados expressivos, nĂŁo apenas no que diz respeito ao intercâmbio de experiĂŞncias entre as delegações para o fortalecimento do trabalho legislativo em seus respectivos paĂses, mas tambĂ©m passamos a ser reconhecidos internacionalmente pela UniĂŁo Interparlamentar e chegamos com muita força Ă quarta CĂşpula de PaĂses AmazĂ´nicos, que aconteceu na primeira semana de agosto, em BelĂ©m.
Pelo PL 4.816/2019, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) tambĂ©m defende a proteção desses ecossistemas, ao propor que seja inserida na Lei 12.187, de 2009, que institui a PolĂtica Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), dispositivo que exija a atualização periĂłdica dos planos de ação para a prevenção e controle do desmatamento nos biomas, assim como o envio ao Congresso Nacional dos relatĂłrios anuais de avaliação de execução.
“Entendemos que essa medida dará maior visibilidade ao tema, pois permitirá Ă s comissões temáticas das Casas Legislativas e a toda a sociedade acompanharem com maior facilidade a implementação da polĂtica ambiental do paĂs, aumentando assim a eficácia dessa polĂtica”, argumenta Alessandro.
|📸 © Raphael Alves/TJAM
Rádio Centro Cajazeiras