Quantidade de substâncias tóxicas encontradas em amostras de leite não representa riscos para o consumo humano; mais pesquisas sobre efeitos nocivos para a saúde dos animais são necessárias
📸 © Agência Brasil

Pesquisadores da USP analisaram amostras das rações e do leite produzidos por vacas de uma centena de fazendas no Sudeste brasileiro e em todas elas foram encontrados vários tipos de compostos tóxicos produzidos por fungos – as micotoxinas. Nas amostras de leite, conforme a espécie, houve uma variação entre 14% e 57% da presença das toxinas que podem prejudicar a saúde dos animais.

Apesar das amostras de leite analisadas não apresentarem riscos para o consumo humano, os pesquisadores alertam para a necessidade de estudos sobre o efeito combinado de várias micotoxinas. A pesquisa é uma iniciativa conjunta da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba, e da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), em Pirassununga, ambas da USP.

As micotoxinas são contaminantes naturais frequentemente encontrados em alimentos e rações, produzidos por fungos micotoxigênicos e que podem provocar respostas tóxicas quando ingeridos por humanos e animais. “Em casos agudos, podem ser observados distúrbios hormonais, gastrointestinais e renais, além de imunossupressão”, relata o professor Carlos Humberto Corassin, da FZEA, orientador do doutorado de Aline Moreira Borowsky na Esalq.

A ingestão crônica pode induzir a câncer, distúrbios no fígado (hepatopatias), modificação nos genes do corpo (mutagenicidade), redução da produção de células do sangue (distúrbio da hematopoiese). Nos animais, ela pode levar a falhas nos sistemas imunológico, intestinal, urinário, digestivo, nervoso e reprodutivo.

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“O objetivo da pesquisa foi avaliar a ocorrência de múltiplas micotoxinas, aflatoxinas B1, B2, G1 e G2, desoxinivalenol, fumonisinas B1 e B2, ocratoxina A, HT-2, toxina T-2 e zearalenona na dieta de vacas leiteiras e a possível transferência destas micotoxinas para o leite produzido por estes animais”, explica Corassin. “No nosso estudo avaliamos 100 produtores de leite distribuídos pelos quatro Estados da região Sudeste do Brasil, colaborando proporcionalmente em relação à quantidade de leite que cada um destes Estados produz. Foram 75 produtores de Minas Gerais, 18 de São Paulo, três do Rio de Janeiro e três do Espírito Santo.”

Dieta

Em cada propriedade, os pesquisadores coletaram informações ligadas à formulação e composição da dieta, consumo alimentar e produção diária de leite dos animais, raças e sistemas produtivos. “Além destas informações, recolhemos amostras da dieta completa dos animais e do leite produzido pelos animais, extraído do tanque da propriedade e não individualmente das vacas”, relata o professor. “Com estas amostras, pudemos verificar se a contaminação presente na dieta consumida pelos animais poderia ser transferida para o leite.”

Todas as 100 amostras de dieta submetidas à avaliação apresentaram pelo menos uma micotoxina, sendo as fumonisinas as micotoxinas particularmente prevalentes – um dos principais fitopatógenos de grãos de milho. “Além disso, observou-se que 86% das amostras continham a presença simultânea de duas a quatro micotoxinas: fumonisinas, zearalenona, desoxinivalenol e aflatoxinas”, destaca Corassin.

“Apesar dos valores de contaminação não serem elevados, foram detectadas fumonisinas em 100% das amostras de dieta, juntamente com a alta porcentagem de zearalenona e a presença de desoxinivalenol. Já as aflatoxinas foram detectadas em apenas uma das amostras”, acrescenta o professor. 

“Estes resultados da dieta são um alerta, pois os efeitos aditivos e sinérgicos da presença de várias micotoxinas ainda não são bem conhecidos” – Carlos Humberto Corassin

Em relação aos resultados do leite, as ocratoxinas e DOM-1 não foram detectados em nenhuma das amostras analisadas. “A aflatoxina M1 foi identificada em 14% das amostras, enquanto as fumonisinas e as zearalenonas (α-ZEL e β-ZEL) foram detectadas em 57%, 49% e 49% das amostras, respectivamente. Por sua vez, o desoxinivalenol estava presente em 42% das amostras”, ressalta Corassin. “A alta prevalência de fumonisinas, zearalenonas (α-ZEL, β-ZEL) e desoxinivalenol reafirma a possibilidade de que outras micotoxinas também sejam transferidas para o leite, além da aflatoxina M1.”

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Corassin explica que cada uma das micotoxinas encontradas afeta as vacas de forma diferente. “As fumonisinas, por exemplo, levam à redução de consumo e perda de peso, toxicidade renal e hepática, afetam a permeabilidade intestinal, reduzem a produção de leite e podem ocasionar lesões de pele e casco. A zearalenona afeta principalmente a reprodução das vacas, redução de consumo e produção e problemas gastrointestinais”, diz. “O desoxinivalenol causa problemas parecidos, recusa alimentar, diarreia, vômitos, problemas reprodutivos, redução na produção de leite e aumento da suscetibilidade a doenças. Já a exposição às aflatoxinas levam a danos hepáticos, redução do ganho de peso, baixa produção de leite e alterações na imunidade.”

Monitoramento

“É importante salientar que apesar destas micotoxinas serem detectadas no leite, elas não foram determinadas em limites superiores aos permitidos pela legislação brasileira, o que permite afirmar que este leite estava seguro para o consumo humano”, explica o professor. “O que recomendamos aos produtores é o monitoramento da presença de micotoxinas nos alimentos fornecidos aos animais através de análises da dieta e a inclusão de aditivos antimicotoxinas eficazes contra vários tipos, tendo em vista que a coocorrência é comum e pode acarretar prejuízos sanitários e econômicos para a atividade leiteira, mesmo sem causar um risco de saúde pública para os consumidores de leite.”

A pesquisa teve a coordenação do professor Carlos Humberto Corassin, orientador da doutoranda Aline Moreira Borowsky, a técnica de laboratório Roice Rosim e os professores Carlos Fernandes de Oliveira e Fernando Tonin. Este trabalho foi realizado em parceria da FZEA e Esalq, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Os resultados do estudo são descritos na tese de doutorado Avaliação da ocorrência de multi-micotoxinas no leite e na dieta de vacas leiteiras na região Sudeste do Brasildefendida na Esalq.

Por Júlio Bernardes, do Jornal da USP

|📸 © ligiera via Pixabay

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