🧑🌾 Preço, condições sociais e propaganda: o que estimula (ou não) a consumir orgânicos?
Por Nara Lacerda do Brasil de Fato
Embora o Brasil se destaque como maior mercado orgânico da América Latina e tenha dobrado a produção entre 2000 e 2020, comer esses produtos em solo nacional ainda é um hábito caro e condicionado à situação social das famílias.
Além disso, a opção por comida cultivada sem veneno e menos processada pode não ser uma escolha livre nem mesmo para quem tem maior poder aquisitivo. A propaganda influencia diretamente na disposição de pagar mais por esses produtos.
O cenário foi avaliado pela pesquisadora Larice Simone de Oliveira Ferreira, do Núcleo de Economia Agrícola, Ambiental e Aplicada da Unicamp (SP), em estudo sobre o vegetal orgânico mais consumido do país, o tomate. Na produção convencional ele também é protagonista de um marco, junto com o pimentão e a cenoura ,compõe a lista das culturas que mais recebem venenos agrícolas.
“Nós queríamos entender o comportamento do consumidor, não como um consumidor puramente racional, mas como consumidor que também pode ser influenciado por alguns vieses cognitivos, como fatores emocionais e aspectos econômicos, como a renda desse consumidor, a própria posição sócio demográfica, onde ele se localiza e como isso pode impactar o consumo desse alimentos.”
Por meio de entrevistas com consumidores e consumidoras do estado de São Paulo, a pesquisadora confirmou a percepção já apontada, inclusive pelo mercado, de que a disposição para pagar mais por alimentos plantados sem agrotóxicos e certificados como orgânicos tem relação direta com escolaridade, local de moradia e poder aquisitivo.
“Identificamos que, entre os maiores empecilhos para essa alimentação mais saudável e sem uma quantidade elevada de agrotóxicos ou prejudicial ao meio ambiente e à saúde, está o fator renda. É um dos principais a influenciar. Os indivíduos que consumiam alimentos orgânicos, em geral, eram indivíduos que tinham maior poder aquisitivo.”
Entre as motivações que levam ao consumo desses produtos, 47% citam a preocupação com a saúde, 44%, a ausência de agrotóxicos e 41%, a preservação do meio ambiente. Mas ter orgânicos na despensa não é uma escolha fundamentada unicamente em percepções pessoais ou ideológicas.
A pesquisadora utilizou o chamado efeito framing, ou enquadramento, para entender como as pessoas entrevistadas responderiam a determinadas apresentações publicitárias do produto. O enquadramento indica que agentes econômicos podem tomar decisões diferentes em relação ao mesmo produto dependendo da forma como ele é apresentado.
Grupos de participantes responderam ao mesmo questionário, mas, antes disso, receberam imagens diferentes do produto. Para um deles o tomate foi apresentado de forma neutra, outro recebeu uma peça positiva, com uma lista de benefícios e a certificação da produção orgânica, um terceiro grupo teve informações sobre as desvantagens da produção com uso de agrotóxicos.
O enquadramento negativo foi mais eficaz para estimular o consumo do que a apresentação positiva. A informação dos malefícios dos venenos agrícolas gerou maior disposição de pagar mais pelo fruto.
Com as conclusões do estudo, a cadeia que produz e comercializa alimentos orgânicos tem algumas pistas de caminhos para incentivar o consumo. As desvantagens dos agrotóxicos surtiram impacto considerável na decisão ao serem apresentadas e a propaganda mostrou que tem efeito.
No entanto, o aspecto econômico da escolha não pode ser descartado. Como solução para ampliar o acesso aos produtos, a pesquisadora enxerga possibilidades no estímulo às compras direto com produtores ou com o mínimo possível de atravessadores. Um exemplo são as tradicionais feiras.
Medidas do poder público também são essenciais. Segundo Larice, o Brasil precisa “desmontar a bomba” armada pelo governo de Jair Bolsonaro na liberação descontrolada de agrotóxicos e retomar políticas públicas de incentivo à agricultura familiar.
“Temos que chamar a atenção para o papel do poder público, o papel do governo de criar e elaborar políticas públicas que de fato venham a favorecer e incentivar a produção orgânica, para que ela também chegue às comunidades mais carentes.”
📸 © Ricardo Wolffenbuttel/Secom
Rádio Centro Cajazeiras