mineira Cindy Oliveira Romão enfrentou essa situação até ser acolhida por uma família de brasileiros em um apartamento em Lisboa. Ela trabalhava como cuidadora de idosos, mas perdeu o emprego após contrair COVID-19. Sem trabalho nem dinheiro, foi despejada do quarto que alugava por falta de pagamento. Mandou um e-mail para o Consulado-Geral do Brasil em Lisboa pedindo ajuda para regressar ao seu país, mas ainda não obteve resposta. 

“Estou com fome, peço por favor que me ajudem a voltar para minha casa, onde está a minha família. Sem trabalho e sem ter onde ficar, ‘dormi’ quatro dias em uma praça e agora estou de favor na casa de um pessoal, mas estou desesperada porque é uma situação muito constrangedora”, relata Cindy.

Despejada e sem conseguir voltar ao Brasil, a mineira Cindy Romão dormiu em uma praça de Lisboa.

© FOTO / DIVULGAÇÃODespejada e sem conseguir voltar ao Brasil, a mineira Cindy Romão dormiu em uma praça de Lisboa

Por ter crédito em uma companhia aérea, ela possuía direito a uma passagem de volta para Campinas, inicialmente prevista para 6 de fevereiro, mas, com o decreto que entrou em vigor no dia 29 de janeiro suspendendo os voos em função do agravamento da pandemia, acabou ficando retida em Portugal.

Um novo decreto passou a vigorar nesta segunda-feira (15), renovando a suspensão. Cindy chegou a entrar em contato com o Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM), mas também não teve êxito, como conta à Sputnik Brasil.

“A mulher foi até muito atenciosa comigo, mas me disse que a volta voluntária só seria possível depois de três meses. Não tenho como ficar aqui por três meses. Não tenho dinheiro para nada. Cheguei a ligar para um lugar para pedir repatriamento, mas a moça me informou que só seria possível depois de seis meses de espera”, lamenta.

Associação Brasileira em Portugal pede apoio ao Exército 

Cindy não é a única nessa situação. Uma lista de mais de 340 brasileiros que tentam regressar para casa foi encaminhada pela Associação Brasileira em Portugal (ABP) ao Exército do Brasil na manhã desta terça-feira (16). No ofício dirigido ao general Eduardo Antônio Fernandes, do Comando Militar do Sudeste, Ricardo Amaral Pessôa, presidente da ABP, pede o apoio das Forças Armadas.

“Solicito encarecidamente a Vossa Excelência a possibilidade de direcionar este apelo às autoridades competentes, com a finalidade de disponibilizar voos de repatriamento (voos governamentais) ou realizar gestões junto ao governo de Portugal no sentido de possibilitar o retorno urgente dos brasileiros retidos no país, que se encontram em situação desumana e sem qualquer apoio do Consulado-Geral do Brasil em Lisboa”, lê-se em um trecho do documento ao qual Sputnik Brasil teve acesso.

Amaral Pessôa, que também preside o Conselho de Cidadãos Brasileiros em Lisboa, diz que a lista tem crescido rapidamente. As pessoas têm enviado vídeos pedindo a ajuda dele e também preenchido um formulário com dados como nome, endereço em Portugal, telefone e empresa aérea para aqueles que tenham passagem comprada. Alguns casos são mais complicados. 

“A situação piorou. Temos atirado para todos os lados. Todo dia me procura muita gente. Hoje [segunda], uma senhora de 51 anos, cujo marido morreu atropelado no sábado, entrou em contato comigo. Procurou o consulado porque queria levar o corpo para o Brasil ou enterrar aqui, mas o consulado não ajudou em nada. Vou ao IML para ajudá-la e apurar direito para tentar resolver esse caso. Ela vai entregar o apartamento que era alugado, está em estado de choque e quer voltar ao Brasil”, explica o presidente da ABP.

A brasiliense Maria Tereza Constantino Ferreira também está nessa lista. Desempregada desde dezembro, quando o restaurante em que trabalhava em Lisboa a demitiu em função da pandemia de COVID-19, ela comprou passagem de Lisboa para Brasília para 11 de fevereiro, mas teve o voo cancelado e remarcado para 4 de março.

Em entrevista à Sputnik Brasil, ela conta que precisou entregar o apartamento onde morava e está hospedada na casa de amigos. Para piorar a situação, nesse meio tempo, descobriu que o pai está com câncer e passou por uma cirurgia. Por isso, a sua urgência em voltar ao Brasil.

“Meu pai está em pós-operatório e precisa de ajuda para cuidar dele. Estava voltando com essa finalidade, porém agora estou de mãos atadas diante da situação. O sentimento é de total impotência ao pensar que já era para estar ao lado dele, ajudando nos cuidados, e não consegui ir embora”, diz Maria Tereza.

Desempregada em Portugal, Maria Tereza Constantino não consegue regressar ao Brasil para cuidar do pai com câncer

© FOTO / DIVULGAÇÃODesempregada em Portugal, Maria Tereza Constantino não consegue regressar ao Brasil para cuidar do pai com câncer

Ela acrescenta que chegou a enviar e-mail e mensagens de WhatsApp para o Consulado-Geral do Brasil em Lisboa, mas recebeu apenas respostas automáticas, sem uma solução.

“Estou sem dinheiro para comprar rotas alternativas e sem amparo nenhum, tanto do governo português quanto do brasileiro. Tenho noção de toda a situação que o mundo vem enfrentando e não viajaria se não fosse por um caso de extrema necessidade. Estou cumprindo quarentena aqui, respeitando as restrições e estaria indo em definitivo para o Brasil para recomeçar [a vida] e cuidar do meu pai”, conclui.

Com contratos de aluguel encerrados, brasileiros procuram hotéis

Nesta terça, a paulista Marcella Panico Gasperini teve que sair do apartamento onde estava morando com o noivo, o cunhado e um primo. O contrato havia encerrado na véspera, mas a proprietária permitiu que eles ficassem até a manhã seguinte devido ao novo cancelamento do seu voo. O original era no dia 9 de fevereiro. 

Com uma vaquinha feita pela família, ela e seus familiares vão ficar hospedados, nas próximas duas semanas, em um hotel a duas horas e meia de Lisboa, onde os preços estão mais baratos. O novo voo está marcado para 2 de março. Ela ajuda a coordenar a lista de mais de 340 pessoas que precisam voltar ao Brasil.

“Meu noivo havia se demitido do trabalho aqui, que era o que nos mantinha. Pedimos um empréstimo para nossos pais para que pudéssemos pegar um hotel em um local mais afastado de Lisboa para não pagar alojamento local. Se o governo renovar mais uma vez o decreto, não teremos dinheiro para hospedagem nem alimentação. Já chorei muito, é um desespero grande”, desabafa Marcella.

O carioca Luciano Medeiros concluiu seu pós-doutoramento em Física na Universidade do Porto e estava de malas prontas para voltar para o Rio de Janeiro com a esposa e o filho, de 13 anos. Com as passagens compradas inicialmente para 11 de fevereiro, teve o voo remarcado pela primeira vez para o dia 15. Veio o novo decreto, e a companhia aérea remarcou novamente, agora para 4 de março. O problema é que seu contrato de aluguel se encerra uma semana antes. 

“Tenho o prazo para sair da casa que aluguei no Porto até o dia 25 de fevereiro. Conversei com a proprietária, que ficou de me dar uma resposta sobre a possibilidade de ficar mais uma semana, mas já havia uma pessoa prevista para entrar logo em seguida porque a rotatividade é alta. O que vou fazer nesses sete dias?”, indaga Medeiros.

O professor Luciano Medeiros com o filho e a esposa: retidos no Porto até 4 de março

O professor Luciano Medeiros com o filho e a esposa: retidos no Porto até 4 de março

Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), ele é casado com uma professora da educação básica, que havia tirado uma licença não remunerada para acompanhá-lo durante um ano em Portugal, mas deveria voltar a trabalhar na próxima segunda-feira (22). O filho do casal cursou um ano letivo no Porto, mas os pais já o haviam tirado da escola em janeiro, uma vez que estavam com o regresso marcado para o Rio, onde o menino voltará a estudar. Medeiros não tem condições de comprar novas passagens por rotas alternativas.

“Não tenho dinheiro. Além disso, não sou cidadão europeu, não tenho visto de residência, corro risco de chegar a Madri, ser extraditado ou preso com a minha família. Quero voltar para o meu país e não consigo. Não somos turistas. O meu visto de estudante já venceu e não consigo renovar. Não tenho condições de ficar aqui. Viemos para cá com prazo para voltar”, resume.

Sputnik Brasil questionou a Embaixada do Brasil em Lisboa e o Itamaraty a respeito da situação dos brasileiros retidos em Portugal e se há previsão de voos de repatriamento, mas não recebeu respostas até o fechamento desta reportagem. Em uma mensagem publicada em seu site, o Consulado-Geral de Lisboa informa não estar previsto voo de repatriamento e recomenda “àqueles que tencionem viajar ao Brasil neste período excepcional que busquem, junto às companhias aéreas, conexões possíveis”.

? Foto: Alberto Ruy/ MInfra

Exatas News via Sputniknews

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