Orgânicos produzidos no Brasil não conseguem suprir a crescente demanda interna
📸 © Leandro Santana/Ascom-PMA

Por Jornal da USP

Uma pesquisa feita pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), com base em dados do IBGE, do Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos do Ministério da Agricultura e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), indica crescimento da demanda por produtos orgânicos. Entre 2003 e 2017, as vendas de produtos orgânicos quadruplicaram e houve um crescimento de 16% no consumo desse tipo de alimento no País entre 2021 e 2023.

Entretanto, mesmo com esse crescimento, os orgânicos produzidos no Brasil não conseguem suprir a demanda interna e representam apenas 1,28% das propriedades agrícolas.

Conceitos diferentes

Carlos Armenio Khatounian, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo, explica que o termo orgânico possui um entendimento diferente para a população em geral e para a legislação e que, em quase cinco décadas, existe um interesse crescente em produtos agrícolas oriundos de um sistema menos impactante sobre o meio ambiente — a partir do menor uso de pesticidas e minerais. Existe um forte motivador, atrelado ao interesse no mercado orgânico, baseado na qualidade dessas mercadorias.

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Ainda de acordo com Khatounian, existe uma legislação que define o que é orgânico para efeitos comerciais: “Do ponto de vista legal, quando você vê no supermercado um produto com um selo orgânico, é porque ele foi produzido e acompanhado segundo as normas que a legislação prevê,” acrescenta. Existe uma busca geral da população por alimentos mais saudáveis, o que trouxe uma convenção de que isso é orgânico. Por outro lado, o mercado, procurando atender a esses anseios sociais, acaba utilizando o termo orgânico de uma maneira restrita, não sendo previsto em lei. 

O professor exemplifica que alguém que cultive alface no quintal não seria considerado orgânico para a legislação, pois não foi inspecionado e não é certificado de acordo com as normas legais. No entanto, para a população, o produto é considerado natural pela expectativa de não ter veneno e adubo. Portanto, existe um elo de confiança do consumidor com o produtor.

A pesquisa se refere à problemática que envolve o produto orgânico certificado e sobre o entendimento popular dessas mercadorias. Envolve também outros alimentos que se aproximem da expectativa de alimentação saudável e menos impactante para o meio ambiente, conhecida como agricultura nativa ou natural. De qualquer forma, existe o interesse da sociedade por produtos mais limpos e com sistemas de produção que evitem o uso de adubos minerais. 

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O especialista expõe que a produção certificada é concentrada no Sul e Sudeste do Brasil, embora ocorra em todo o País. Os principais produtos são frutos e hortifrutis, mas existe também o setor de alto valor agregado, que aguenta um comércio por longa distância, como o café. “Para a produção de produto certificado, existe uma especificação muito cuidadosa do que pode e do que não pode ser usado e ele não precisa apenas ser produzido dentro de um sistema orgânico, mas precisa ser acompanhado por uma organização de esfera pública.” O professor ainda acrescenta que, para consumo regional, o sistema é mais simples e exige o acompanhamento por alguma organização pública.

Mercado

Segundo o especialista, para o produtor de orgânicos não faz muita diferença se o mercado é interno ou externo, ele vai analisar as oportunidades que ele possui a partir da sua proximidade com áreas de consumo. Ou seja, se o produtor está em uma localização perto do polo de consumo torna-se vantajoso pautar sua produção com o que é consumido na região. Entretanto, se ele se encontra longe do centro de consumo é melhor traçar sua produtividade com o mercado externo. 

A expectativa do consumidor, de acordo com a pesquisa, sobre o consumo orgânico é a busca por alimentos saudáveis, para preservar sua saúde. O hábito de consumo da sociedade, formado em praticamente seis décadas, foi fundamentado na era dos venenos. O exemplo disso é o tomate, que anteriormente era produzido em épocas frias e secas, mas a partir da era dos venenos foi possível produzi-lo também em épocas úmidas e de verão.

O professor expõe que, para que o tomate seja produzido durante o ano inteiro, existe uma carga muito elevada de veneno nesse produto e que o consumidor está acostumado a ver o tomate na prateleira o ano inteiro com oscilações de preços. Ele acrescenta que, para ter uma alimentação realmente saudável, é necessário que esse alimento se ajuste ao ritmo da natureza. “Na verdade, uma alimentação saudável tem que ser variada ao longo do ano. Então, existe um descompasso entre a expectativa de uma alimentação saudável e o hábito alimentar que foi orientado para alguns produtos ao longo de todo ano,” explica o professor. 

Uma parte da importação não seria necessária se a sociedade tivesse um hábito de consumo centrado no que a época do ano pode oferecer, de acordo com Khatounian. A maçã era um produto predominantemente importado, pois o Brasil não tinha condições climáticas para produzi-la e passou a produzir, pelo ponto de vista técnico, a partir do uso de veneno.

 A produção nacional de maçã não é suficiente para abastecer o mercado durante o ano inteiro, por isso, ao invés de importar ou produzir, a partir de agroquímicos, era necessária a adaptação social ao ritmo natural da produção de produtos agrícolas. “Temos uma importação de produtos orgânicos de outros países que não necessariamente precisaria, se houvesse uma predisposição para se adaptar às frutas disponíveis em cada época, ” afirma o professor. 

|📸 © Bruno Concha/Secom-PMS

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