Sob comando de paraibano, Saúde deixou vencer 39 milhões de vacinas contra Covid avaliadas em R$ 2 bi 📸 © Alan Santos/PR

Por Mateus Vargas/Raquel Lopes/Constança Rezende/Folhapress

O Ministério da Saúde perdeu ao menos 38,9 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19, avaliadas em cerca de R$ 2 bilhões.

Desse total, cerca de 2 milhões de unidades foram descartadas e 31 milhões estão encaminhadas para incineração. Os 5,9 milhões restantes ainda serão encaminhados para descarte, de acordo com o Ministério da Saúde.

Em seu site, a pasta afirma que 399 milhões de doses contra a Covid foram aplicadas até hoje no país.

Integrantes da Saúde culpam o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pelo acúmulo de doses. Afirmam ainda que estudam doar vacinas a outros países como uma das formas de evitar novas perdas.

A pasta diz, ainda, que 5 milhões de unidades vencem nos próximos 90 dias. E que mais 15 milhões de imunizantes podem ser descartados nos próximos seis meses.

Estados e municípios ainda costumam rejeitar lotes com validade curta. Justamente pelo risco de o produto vencer.

Atual secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, Ethel Maciel disse que a gestão Bolsonaro nem sequer compartilhou dados sobre os estoques com a equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a transição de governo.

“A gente pegou um governo com estoque de vacinas vencidas e para vencer, enquanto aquelas que precisávamos não tinham estoque. Não havia nem contrato [encomendando as doses] no caso das vacinas pediátricas e bivalentes”, disse.

“Se não fosse o negacionismo, essas doses não estariam nos estoques. Se tivesse acontecido um esforço, como estamos fazendo agora, com campanhas educativas, alinhamento com gestores municipais e estaduais, essas vacinas não teriam vencido”, acrescentou a secretária.

Segundo o ministério, cerca de 2 milhões de doses perderam a validade ainda em 2021. São lotes doados pelos Estados Unidos, já incinerados.

Outros 9,9 milhões de vacinas expiraram em 2022. A partir de janeiro de 2023, perderam a validade mais 27,1 milhões de imunizantes para a Covid.

Procurado, o paraibano ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga disse que seus secretários eram os responsáveis pelo controle dos estoques.

“As vacinas foram adquiridas em função da população brasileira, como sabemos, a adesão às vacinas diminuiu depois do controle sanitário da doença em todo o mundo. Pelo que fui informado, a maior parte das vacinas vencidas são da Fiocruz”, afirmou Queiroga.

Em nota, a Saúde afirma que “a atual gestão do Ministério da Saúde se deparou [ao assumir o governo] com um cenário de 27,1 milhões de doses de vacinas contra Covid-19 sem tempo hábil para distribuição e uso”.

A reportagem pediu, via Lei de Acesso à Informação (LAI), dados sobre vacinas perdidas e recebeu a resposta de que 33 milhões de doses já foram descartadas ou enviadas para incineração. Depois, ao questionar o Ministério da Saúde, a assessoria de imprensa da pasta informou que há outras 5,9 milhões de doses vencidas, que ainda serão encaminhadas para incineração.

Desse grupo, cerca de 13 milhões de imunizantes, avaliados em R$ 415 milhões, perderam a validade até o fim de 2022. O resto, mais de 20 milhões de unidades, compradas por R$ 740 milhões, venceram em 2023.

A tabela enviada pelo Ministério da Saúde não detalha se todas as vacinas foram perdidas por causa do fim da validade ou se, por exemplo, algum lote foi reprovado em testes de qualidade.

Os dados enviados pela pasta não confirmam o modelo de vacina que perdeu a validade. A partir dos números de lote, é possível verificar que ao menos doses da Coronavac e da AstraZeneca/Fiocruz foram ou serão descartadas.

A equipe de Saúde do governo de transição tratou o estoque de vacinas prestes a vencer como uma espécie de herança maldita. No relatório final, o grupo disse que havia “grande quantidade de vacinas com prazo de vencimento muito curto, por falha no planejamento, monitoramento e gerenciamento dos estoques”.

Desde 2018 as informações sobre estoques do Ministério da Saúde, inclusive de produtos vencidos, estão sob sigilo. A reportagem fez diversos pedidos de acesso durante a gestão Bolsonaro, todos negados.

A equipe de Lula decidiu compartilhar, por enquanto, os estoques perdidos.

A secretária Ethel Maciel complementa que a pasta se preocupa com as doses que vencem nos próximos três meses. “As outras têm prazo de um ano, seis meses, e não temos preocupação com elas porque a gente está nesse movimento nacional pela vacinação e várias ações estão sendo pactuadas”, disse.

Bolsonaro estimulou a desinformação sobre as vacinas da Covid-19. Ele chegou a ameaçar expor servidores da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que participaram da liberação da aplicação de doses em crianças.

Ao tomar posse, a atual ministra da Saúde, Nísia Trindade, disse que houve um “período de obscurantismo de negação da ciência” durante a gestão anterior.

Órgãos de controle, além de gestores do SUS, fizeram diversos alertas na gestão Bolsonaro sobre o risco de as vacinas perderem a validade.

Documentos de auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) apontavam o risco de a Saúde perder cerca de 28 milhões de doses até agosto daquele ano.

A Saúde já havia deixado vencer um estoque avaliado em R$ 243 milhões de vacinas, além de testes e outros itens, em 2021. Quase todos os produtos perderam a validade na gestão Bolsonaro.

O TCU confirmou, no começo de março, que cerca de 2 milhões de doses de vacinas da Covid doadas pelos Estados Unidos foram descartadas.

Os ministros do tribunal decidiram aplicar multa de R$ 1 milhão ao general da reserva Ridauto Ribeiro, ex-diretor de logística da Saúde, e a Rosana Leite, ex-secretária extraordinária de enfrentamento à Covid-19, sob argumento de que faltou planejamento ao aceitar uma doação de doses com validade curta.

Os lotes doados chegaram ao Brasil cerca de um mês antes do fim da vida útil.

Procurado, Ridauto disse que todas as doses recebidas durante sua gestão foram mantidas em “perfeitas condições de armazenagem”, “não tendo havido qualquer perda de vacinas de Covid por dano ou armazenagem inadequada”.

“Quanto à decisão de se adquirir ou receber vacinas (e das quantidades a serem adquiridas), ou a utilização desse material, ou seja, a decisão de enviá-lo ou não aos estados e DF, isso não competia ao órgão que eu dirigia, o Dlog”, afirmou ainda. Ele declarou que os “gestores competentes” devem responder pelas compras e pelo período em que as doses ficaram estocadas.

Rosana Leite foi procurada, mas não se manifestou.

📸 © Alan Santos/PR

Rádio Centro Cajazeiras

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