Na dancinha viral do “Passinho debochado” existe uma virada tardia na carreira do baiano Dan Ventura, aos 42 anos. Os movimentos dele começaram no berço do arrocha e passam por hits carimbados por Ivete em Salvador, um longo jejum de sucesso, uma crise de pânico e, hoje, o retorno às paradas,

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“Se eu te incomodo, então desliga o celular… Se não gosta de mim, do meu jeito debochado / me desculpa, olha como eu tô preocupado…” Os versos parecem bobos, mas o ex-líder do Bonde do Maluco penou até aprender a desencanar de comentários de que sua carreira estaria no fim.

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Veja a ascensão, a queda e a nova ascensão de Dan Ventura. Abaixo, conheça os oito passos principais da história do dono do “Passinho debochado”:

  1. O pai dele tinha um estúdio em Madre de Deus (BA), onde fez gravações pioneiras do arrocha com a banda Asas Livres, de onde saiu Pablo.
  2. Dan ajudou a criar a base do Tayrone Cigano, outro herói do arrocha. Depois, ele misturou essa base com pagodão e criou um ritmo que chamou de arrochadeira.
  3. Como grupo Um Toque Novo, fez a arrochadeira “Piririm pompom”, que estourou em 2006. Ivete cantou a música nesse ano e até incorporou a personagem “Piriguete Sangalo”.
  4. Foi para o Bonde do Maluco e, em 2007, emplacou “Não vale mais chorar por ele”, versão de “Don’t matter”, do Akon. Ivete também cantou ao vivo e disse que era do “Bonde da maluca”.
  5. O Bonde do Maluco teve outros sucessos locais e foi muito querido e influente (até o sertanejo Zé Felipe falou ao G1 sobre essa influência no hit “Só tem eu”).
  6. Só que o grupo não tinha muita estrutura e era eclipsado por artistas maiores. Em 2010, quando Akon veio ao Brasil, foi Claudia Leitte quem cantou a versão com o americano.
  7. Em 2013, Dan saiu do Bonde do Maluco. Entre 2014 e 2016, teve crises de pânico. Ele tentava emplacar faixas pelo YouTube, onde lia comentários sobre a carreira em baixa.
  8. Em 2020, se mudou de Salvador para Mossoró (RN). Em 2021, com a base da música “Alors on dance”, do belga Stromae, criou o “Passinho debochado”. E, após tanto tempo, o hit veio…

O “Passinho debochado” estourou no TikTok está hoje entre as vinte músicas mais tocadas em streaming no Brasil no Spotify e no YouTube.

“Chegou a um ponto em que eu não sentia mais dor pelo que as pessoas falavam: ‘Envelheceu, não vai a lugar nenhum mais…’ E eu falava: ‘É, tô com 42 anos, já um senhor de idade, não vou mais me preocupar com isso.’ E pronto. Foi quando, de repente, as coisas aconteceram”, diz Dan.

O clipe custou R$ 800. A música foi composta, tocada e produzida por Dan. Desde o início da carreira, no estúdio caseiro do pai, ele aprendeu a valorizar a espontaneidade.

Testemunha do arrocha

Dan Ventura — Foto: Divulgação
Dan Ventura — Foto: Divulgação

O estúdio do seu Antônio Pereira ficava em Madre de Deus, perto de Candeias, onde foi criado o arrocha, estilo romântico marcado pelo romantismo nordestino (seresta, brega) e latino (bachata, bolero).

Enquanto a sofrência de Pablo nascia, Dan apertava botões. “Cresci vendo meu pai mexendo em gravação. Eu era operador de ‘rec’, apertava e esperava o cara gravar. De tanto fazer isso, comecei a fazer minhas produções. E vi que, quando o povo abraça, não tem jeito…”

Desde então, sempre fez tudo em estúdios caseiros. “Eu já vi o cara pagar estúdio caro, encher de músico, e a música não vai para lugar nenhum.”https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Mesmo assim, ele mesmo se surpreendeu em 2021. “Eu subestimei ‘Passinho debochado’. Estava gravando um CD, a ‘Pisadinha da cachorrada’. E falei: vou soltar na semana que vem essa música, um ‘memezinho’. Era um desabafo sobre haters. De repente, o negócio começa a acontecer.”

“Eu falei: cara, o que eu faço ‘à toa’ dá certo. Agora, quando eu me dedico, não dá”, ele brinca.

Nasce a arrochadeira

Foi com esse espírito explorador que ele pegou, há 14 anos, a base de arrocha que tinha criado para Tayrone Cigano e criou a arrochadeira.

“O arrocha era uma coisa mais romântica. E eu era fã de pagodão, de suingueira, de É o Tchan. E eu falei: cara, vou fazer uma forma de tocar pagode no teclado. E comecei a introduzir uma coisa mais dançante”, ele conta.

“‘Priririm pompom’ é basicamente o ritmo (de teclado) feito de boca. E através da arrochadeira vieram várias vertentes. Hoje tem a bregadeira. As pessoas perguntam: você foi o criador? E eu: não, eu dei o pontapé para que isso acontecesse.”

Seja arrochadeira, arrocha, bregadeira ou pisadinha, o trabalho de Dan ajudou a espalhar uma revolução que hoje está no topo do pop brasileiro: os ritmos do nordeste sintetizados no teclado e no computador, em formatos que antes eram vistos até dentro deste mercado como algo menor.

“Antigamente para ter uma banda precisava ter muita estrutura. O cara que tinha uma percussão completa era rico. Hoje, graças a Deus, o cara em casa, com um tecladinho pequenininho, faz um hit. Foi nesse tecladinho que eu fiz o passinho debochado.”

“Eu vejo muita gente falar: ‘Ah, mas o piseiro é só um teclado, só uma coisa eletrônica’. Gente, mas a música hoje internacional é baseada no eletrônico. Lady Gaga, Jay Z, todos os artistas mundiais hoje”.

(Entre estes artistas globais está Stromae, criador da base de “Alors on danse” que está no passinho. Ele afirma que a música foi “baseada” no belga, mas não dá créditos de composição ou sample.)

“O público não está interessado em ver uma orquestra em cima do palco. O pessoal quer ver o resultado final. Eu vejo muita gente virando o nariz, falando que é passageiro. O funk era passageiro. E hoje é o segundo maior ritmo do país.”

Bonde do Maluco  — Foto: Divulgação
Bonde do Maluco — Foto: Divulgação

‘Piriguete Sangalo’ e o ‘Bonde da Maluca’

E como foi estourar um hit de arrochadeira antes da reviravolta do streaming, lá em 2006? “Para mim foi uma coisa louca. Eu me arrepiei todo, não tava entendendo o que era aquilo. Imagina, eu vim Madre de Deus, 6 mil habitantes, criando uma coisa ali na sala. De repente, a Ivete canta no festival”.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Após virar a “piriguete”, Ivete também encarnou a “bonde da maluca” com “Não vale mais chorar por ele”. Ela deu força ao grupo formado por Dan, Dekinho, Billy-X e Adriano seguir rodando o Nordeste ao som de arrochadeira, arrocha e pisadinha.

Na época em que não se vendia mais CDs e ainda não se ganhava com streaming, eles tiveram sucessos locais marcantes como “Abre abre”, “Isabela” e a ótima “Melô do chorão”. O grupo viajou muito (“ia tocar e dormia em rede”, lembra Dan). Aos poucos, perderam o fôlego. Dan saiu em 2013.

Crises de pânico

“A última vez que eu fiz algo nacional foi no programa ‘Esquenta’, da Regina Casé, lá em 2014. Naquela época eu estava passando por problema seríssimo de ansiedade. Estava tendo crise de pânico e tive um bloquei mental muito grande”, lembra.

“Eu não sabia nem o que eu estava sentindo. Foi um momento muito difícil na minha carreira. Fui parando com o gosto de tudo.”

Dan conseguia emplacar algumas músicas pela internet, como o “Quadradinho do arrocha”, em 2014, mas longe dos fenômenos iniciais da carreira. Ele não desistia. “Eu sempre me recusei a viver o paradigma de que o sucesso só vinha uma vez.”

“Antes de tudo fui para o psiquiatra. Falei: ‘ó, quero logo que me dê o remédio. Não quero conversar. Era loucura, algo que eu não imaginava que nunca ia ter. Porque foi uma cobrança muito grande. Boa parte da minha ansiedade veio da cobrança do público de ter que estourar”.

“No momento que não estourou, o pessoal ficava: ‘E aí, cadê, não estoura mais, ficou velho, acabou a carreira’…” E como ele superou a ansiedade e relaxar para o passinho debochado?

“Quando cheguei ao fundo do poço, que as pessoas já tinham me esquecido, que ninguém mais me cobrava nada, eu não tinha nada a oferecer na cabeça delas, foi aí que eu consegui voltar a criar as coisas. Então foi a época da minha vida que eu consegui juntar coisas para voltar”, ele conta.

“A gente fala: não vou me cobrar. Mas nosso eu lá dentro cobra. Hoje as pessoas andam muito cruéis na internet. Tem comentário que a gente consegue digerir em 1 minuto ou 1 hora. E outros que não consegue, fica lá dentro. Comecei a entender que as pessoas falavam exclusivamente para machucar.”

“Eu só voltei, só consegui fazer minhas coisas, no momento em que eu parei de me preocupar.”

Como quem não quer nada

Dan Ventura — Foto: Divulgaçaõ
Dan Ventura — Foto: Divulgação

O “Passinho debochado” assume essa despreocupação com malemolência. “Porque eu, como cantor, não tenho o estereótipo de um megastar pop. O cara fala: ‘Ele não é bonito, não é nada’. Eu tinha o objetivo de fazer uma música sobre isso. Do ‘hater’ vir, bater, e o cara não precisar discutir”, ele diz.

“Quando lancei essa música, tinha 10 seguidores no TikTok, nem ligava. E falei: ‘Vou fazer uma dancinha só para ver como funciona.’ Quando cheguei em casa já tinha 100 mil visualizações. Eu não entendi nada e foi assim que a música ecoou.”

“Aí começaram os famosos. Quando Deborah Secco gravou, falei: ‘Pronto’. Uma famosa gravou. E vieram os influencers: Virgínia, Orlandinho, Tirulipa, todo mundo que movimenta a internet. De repente eu tava nas paradas com um clipe feito com orçamento de 800 reais. Ai sim, eu vi que virou.”

Desde que o Bonde do Maluco bombou com “Não vale mais chorar por ela”, Dan Ventura consegue viver com o dinheiro de direitos autorais. ” Não dava para sair por aí ir comer sushi no prato quadrado, mas dava para se segurar. Tinha mês que apertava. Mas tinha mês que dava tranquilo”, descreve.

“Tenho uma filosofia que enquanto não faltar o que comer, o que vestir e onde morar, para mim está mil maravilhas. Porque eu vim do nada. De repente, tive tudo. Depois, fiquei, tranquilo, tinha dinheiro para pagar as continhas no fim do mês e sobreviver.”

Após altos e baixos, Dan aprendeu que seu nome vale mais que um hit. “Meu pensamento hoje já não é nem o ‘Passinho debochado’. É tentar estabilizar o artista Dan Ventura. Vamos lançar mais música, mais clipe. Sem achar que vai estourar igual. Porque isso é um em um milhão”, ensina.

? © Reprodução/Arquivo Pessoal

Rádio Centro Cajazeiras via G1

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