27 agrotóxicos são detectados na água consumida em São Paulo, Fortaleza e Campinas 📸 © Pixabay

Por Hélen Freitas Agência Pública

Uma mistura de 27 diferentes tipos de agrotóxicos foi detectada na água consumida por parte da população de 210 municípios brasileiros, como São Paulo (SP), Fortaleza (CE) e Campinas (SP).

As informações são resultado de um cruzamento de dados realizado pela Repórter Brasil a partir de informações do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), do Ministério da Saúde, com testes feitos em 2022.

A maioria dos exames identificou uma concentração dentro do limite considerado seguro pelo Ministério da Saúde para cada tipo de substância isoladamente. Ou seja, a simples presença de cada agrotóxico em uma amostra não necessariamente acarreta problemas para a saúde.

No entanto, a regulação brasileira não leva em conta os riscos da interação entre os diferentes tipos de pesticidas. É justamente a mistura de substâncias o que preocupa especialistas ouvidos pela reportagem. Eles afirmam que o chamado “efeito coquetel” pode gerar consequências ainda desconhecidas ao organismo humano.

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Mistura de agrotóxicos na água, fenômeno ainda sem regulação no Brasil, preocupa especialistas por causarem efeitos ainda desconhecidos (Foto: Andres Siimon/Unsplash)

As detecções ocorreram em amostras de água de diferentes redes de abastecimento dentro dos municípios. Por exemplo, na cidade de São Paulo, cinco agrotóxicos foram encontrados na água da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), responsável por prover a maior parte do município.

Já o total de 27 foi verificado em condomínios e empresas da capital paulista com sistemas particulares de tratamento da água. Não houve casos de concentração acima do limite permitido para cada agrotóxico analisado, em São Paulo.

Ministério da Saúde não regula “efeito coquetel”

Enquanto a União Europeia impõe um limite para a presença de diferentes substâncias na água, o risco da mistura é ignorado pela normativa do Ministério da Saúde. A pasta teve a chance de regular essa questão em 2021, quando a nova Portaria de Potabilidade da Água foi aprovada, mas tratou apenas dos limites individuais.

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O principal argumento é a dificuldade em calcular os efeitos causados pelas diferentes combinações de substâncias químicas na água.

“O ideal seria não detectar, ou seja, não encontrar nada”, afirma Cassiana Montagner, pesquisadora da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). “Mas quando há a detecção, ainda que em concentrações menores que o valor máximo permitido, os governos deveriam tomar ações para evitar que esses agrotóxicos apareçam por longos períodos de tempo”, complementa.

Ela destaca que o risco é maior quando o consumo é contínuo, ou seja, quando a presença das substâncias na água persiste ao longo dos meses e anos. Nesses casos, 15 dos pesticidas encontrados estão associados ao desenvolvimento de doenças crônicas como câncer, disfunções hormonais e reprodutivas.

Segundo a pesquisadora, as estações de tratamento não conseguem retirar os agrotóxicos da água na concentração encontrada no Brasil. Assim, a melhor solução é evitar a contaminação.

A origem do problema é o uso excessivo e indevido dessas substâncias, que ocorre em maiores quantidades em regiões rurais, mas também no paisagismo nas cidades.

“Tudo aquilo que vem sendo colocado no ecossistema, solos e plantações, permanece nos recursos naturais e continua presente em diferentes lugares”, alerta Rafael Rioja, coordenador de consumo sustentável do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), que faz alertas constantes sobre a presença de agrotóxicos nos alimentos.

Esta não é a primeira vez que dados públicos levantam alerta sobre a presença de diversos agrotóxicos na água. Em 2019, especial feito pela Repórter Brasil, Public Eye e Agência Pública revelou que 1 em cada 4 cidades brasileiras tinham detectado todos os pesticidas na rede de abastecimento – a quantidade de municípios era substancialmente maior porque o levantamento analisou dados de 4 anos, 2014 a 2017.

Fonte: Dados de 2022 do painel Vigiagua do Ministério da Saúde

Baixe aqui a tabela completa com os nomes dos municípios que detectaram os 27 agrotóxicos na água em 2022.

O que dizem o poder público e as empresas

Questionado pela Repórter Brasil, o Ministério da Saúde reconheceu que analisar os agrotóxicos na água de forma individualizada é insuficiente para determinar os riscos à saúde da população. Ressaltou, porém, que há poucos estudos que analisam os efeitos da mistura, justificando assim a ausência de valor máximo para o coquetel de substâncias na Portaria atual.

“A temática relativa à mistura de substâncias químicas integra a agenda de trabalho do Ministério da Saúde, inclusive no que se refere à definição do padrão de potabilidade”, afirmou em nota (leia a íntegra).

O órgão também garantiu que orienta as equipes de vigilância em saúde a adotarem ações preventivas mesmo nos casos em que os testes apontaram a presença de agrotóxicos dentro do limite individual para cada substância. Essa orientação, porém, não parece resultar em medidas objetivas adotadas pelos municípios ouvidos pela reportagem.

As secretarias de saúde de Campinas, São Paulo e Fortaleza, cidades onde os 27 agrotóxicos foram encontrados na água, afirmaram que apenas seguem os parâmetros fixados individualmente para cada substância, de acordo com a norma do Ministério.

A coordenadora da Vigilância em Saúde de Campinas, Cristiane Sartori, afirma que a secretaria só consegue realizar ações quando os testes apontam que o agrotóxico está acima do limite individual para aquela substância específica.

Os agrotóxicos detectados em Campinas apareceram em diferentes redes de distribuição da cidade, como condomínios, shopping e empresas. Na Sanasa, companhia que realiza a maior parte do abastecimento da cidade, não houve detecção. Já no campus da Unicamp, testes encontraram as 27 substâncias na água. Em 2022, cerca de 60 mil pessoas frequentaram o local.

A Unicamp afirmou que a mistura de substâncias é uma preocupação para a Universidade, mas também se amparou na regulamentação do Ministério da Saúde para justificar a tolerância aos 27 agrotóxicos na água. “É importante salientar que não há ações de controle previstas na legislação quando os valores dos resultados se encontram dentro dos padrões permitidos”. Veja a resposta.

Água com 27 agrotóxicos é encontrada em redes de abastecimento estaduais, além de em água de empresas, condomínios e universidade (Foto: Pixabay)

A secretaria de saúde do município de São Paulo afirmou em nota que monitora a água fornecida à população e que “não foram detectados parâmetros acima do permitido pela legislação vigente”.

Sobre as detecções de cinco agrotóxicos na rede da Sabesp em 2022, a empresa se limitou a afirmar que “todos os ensaios realizados para agrotóxicos estão dentro do padrão estabelecido na Portaria de Potabilidade para água distribuída”. A Sabesp não respondeu às perguntas sobre a mistura de substâncias.

Em Fortaleza, todos os 27 agrotóxicos foram encontrados na rede de abastecimento da Cagece (Companhia de Água e Esgoto do Estado do Ceará), responsável pelo abastecimento de água de 152 municípios do Ceará. Em nota, a Cagece informou que os seus equipamentos de análise possuem alta capacidade de detecção, mas que a concentração de agrotóxicos na água é bem menor do que os limites previstos na legislação, o que faz com que considerem que não há risco à população. Leia na íntegra.

A secretaria de saúde de Fortaleza, responsável pelo monitoramento, não respondeu aos questionamentos enviados pela Repórter Brasil.

Apagão de dados

Os dados do Ministério da Saúde também mostram que 1.609 municípios brasileiros — 6 em cada 10 que fizeram testes (confira a tabela completa de cidades) — encontraram ao menos um agrotóxico em sua água. O número pode ser ainda maior, já que mais da metade (56%) dos municípios não enviaram dados ou publicaram informações consideradas inconsistentes pelo Ministério da Saúde.

Amapá, Amazonas, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rondônia e Roraima estão em um apagão completo de informações, ou seja, não enviaram dados considerados válidos pelo Ministério da Saúde.

“A quantidade agrotóxicos que está sendo jogada no nosso ambiente é muito maior do que a nossa capacidade de absorção e da natureza de transformar essas moléculas, e isso está na água que a gente consome, na água da chuva, dos rios”, afirma Marcia Montanari, pesquisadora do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Confira quantos agrotóxicos foram detectados nas redes de abastecimento em cada município em 2022.

Entre os estados que forneceram pouca ou nenhuma informação, o, Mato Grosso se destaca. Ano após ano, ele se estabelece como o maior comprador de agrotóxicos do País. Em 2021, mais de 150 mil toneladas de pesticidas foram vendidas no estado, uma uma diferença de mais de 60 mil toneladas para o segundo colocado, São Paulo.

Contudo, a liderança não se mantém quando o assunto é testes de agrotóxicos na água. Dos 141 municípios do estado, 73% não entregaram dados ao Sisagua. O apagão preocupa: a exposição ao veneno no Mato Grosso é quase dez vezes maior do que a média nacional, de 7,3 litros por pessoa.

Lucas do Rio Verde é uma das cidades que não enviou dados consistentes. Com 83 mil habitantes, é uma das maiores produtoras de grãos do país, tendo sua economia baseada na agropecuária.

O uso de pesticidas é intenso na região, tanto que a cidade foi parar nas manchetes de todo o Brasil, em 2011, após uma pesquisa da Universidade Federal do Mato Grosso detectar agrotóxicos no leite de mulheres que amamentam. Mesmo com esse histórico, a cidade não enviou dados consistentes ao Ministério da Saúde sobre a presença de agrotóxicos em sua água.

Marcos Woicichoski, assessor jurídico do SAAE (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) de Lucas de Rio Verde afirmou que a vigilância municipal de saúde ainda está realizando o lançamento dos dados de 2022 no Sisagua, contudo é possível consultar os resultados por meio do site do serviço. Os dados disponibilizados, no entanto, não permitem que a população saiba de forma simples se a água que chega em sua torneira tem substâncias perigosas.

“O SAAE informa que os níveis de agrotóxicos na água fornecida para a população sempre se mostraram abaixo do limite de segurança definido pela norma ministerial”. Já a Secretaria de Saúde de Lucas de Rio Verde não respondeu às questões enviadas.

Para a pesquisadora da UFMT, há uma pressão para que esses dados não sejam publicados. “Muitos desses municípios têm uma interveniência política do agronegócio muito forte, eles não fazem questão que essas informações apareçam.”

O responsável direto por esse monitoramento é a Secretaria Estadual de Saúde do Mato Grosso. Questionados pela reportagem, o órgão afirmou que cobrou o envio das informações. “A pasta realiza de forma ininterrupta o monitoramento junto aos prestadores de serviços de abastecimento de água. Entretanto, essa pergunta deve ser feita não apenas ao setor da Saúde, mas às várias áreas, visto que o agrotóxico é um tema de competência nacional, que envolve o Meio Ambiente, a Agricultura e os Recursos Hídricos”. Confira as respostas na íntegra.

“Enquanto não existir uma uma cobrança efetiva para que se cumpra a resolução, a frequência de análise e para que se olhe para esses dados, os responsáveis pelo abastecimento não vão se mexer”, avalia Fábio Kummrow, professor de toxicologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Está confortável pra eles assim”.

|📸 © Marcos Santos/USP Imagens

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